The Emperor's new Clothes


1. Aleksander Soljenítsin, prémio Nobel russo e dissidente político do comunismo, perante uma plateia perplexa num discurso feito na Universidade de Harvard, em 1978, terá declarado que o Ocidente teria perdido a coragem e que haveria como que uma ilusão de que as suas democracias representariam algo vitorioso e exemplar.

Há uns dias, assisti no Folio, em Óbidos, a uma conversa entre dois Deputados da nossa República, em que ambos afirmavam que havia coisas que jamais poderiam dizer no Parlamento. Ou seja, quando estavam na Assembleia da República e enquanto se manifestavam publicamente, não podiam dizer exactamente o que pensavam...

Um Presidente da República acossado por umas afirmações que no fundo o bom-senso até caucionaria, se bem que ditas talvez de uma forma infeliz: alguém duvida que ele seja uma pessoa bem-intencionada, democrata, respeitador dos Direitos Humanos?! Lembrou-me um amigo que o Papa teria sido mais prudente em resposta a Maria João Avillez, na sua recente entrevista: um só caso é já por si grave (coisa que naturalmente Marcelo subscreve inteiramente). E depois, e bem, lembrou o Papa que apenas 3% dos casos de crimes sexuais se passam dentro da Igreja; muito do mal que se passa é dentro das famílias...

É preocupante esta espécie de "ditadura do bem-dizer", de que são arautos da moralidade os jornalistas, eles próprios à procura da próxima oportunidade de se fazerem notar, pois, com efeito, vi logo palavras de condenação feroz às palavras de Marcelo, como se fosse um perigoso fascista. 

Parece-me que na nossa democracia algo tem que mudar, para que se entre mais fundo nas discussões. Doutra maneira, iremos sempre ser vítimas de um estado/Estado de coisas medíocre como Alexander Soljenítsin já dissera, há mais de 40 anos. É assim que Venturas ganham folgo, pela falta de coragem dos nossos políticos em falar verdade.

2. Ouvi também no Folio de Óbidos quem defendesse Putin, o "Imperador". Um lançamento dum livro, com um diplomata recém-reformado, apresentado por um jovem articulado. Não entendo como alguém pode, no seu bom juízo, não ver as atrocidades que Putin comete, invadindo um país soberano e atacando populações civis. Sou educado, mas não consegui aguentar a conversa e virei costas ao jovem articulado com quem fui entabular conversa. Tanta ideia distorcida e justificação para actos ignóbeis. Tanta deturpação da verdade. Os deveres de consciência pedem-nos que não sejamos indiferentes. Nunca cheguei ao ponto de acreditar que fosse tanta a cegueira e a incapacidade crítica de ver o óbvio. 

3. Juntando os dois episódios, diria que uns falam aquilo que fica bem; outros falam sem qualquer tino. Parece que "o Rei Vai Nu": uns fingem que não veem e querem ficar bem no cortejo; os outros acham convictamente que o rei tem um  fato novo, que lhe "fica a matar" (só para dar o exemplo do conto de H.C. Andersen).

4. Leio uma notícia, algo sobre o "Imperador": "no dia 20 de Outubro, o autor de Entre Dois Fogos” (Relógio D’Água, 2020), Joshua Yaffa, vai estar na FLAD para partilhar a sua perspectiva invulgar sobre a Rússia contemporânea. Correspondente da The New Yorker em Moscovo e, mais recentemente, na Ucrânia, Yaffa explica, no seu livro, como uma burocracia engenhosa ajuda o Kremlin a sustentar o seu poder e um regime autoritário. Baseado em anos de investigação, o jornalista e escritor dá-nos a conhecer como os mais destacados políticos, empresários, artistas e historiadores conseguiram construir a sua carreira à sombra do regime de Putin. Entre conflitos morais, oportunismo e astúcia, acabam por servir-se e também alimentar um regime autoritário"




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