Os Fernão de Magalhães do século XXI


Laura Dekker é uma rapariga holandesa que fez recentemente 14 anos. Nasceu a bordo dum iate, pois os seus pais passaram vários anos no mar, em viagem pelo mundo. A sua história cruzou-se com as nossas, pois atónitos, assistimos à notícia do seu desaparecimento. Foi encontrada um ou dois dias depois, a cerca de 5.000 km de casa, nas Antilhas holandesas e trazida de volta. A razão do seu desaparecimento tem que ver com o facto notável de estar a travar-se uma discussão jurídica, que pelos vistos parece estar a apaixonar a sociedade holandesa, sobre se ela pode empreender aquilo para que diz estar preparada: dar a volta ao mundo em solitária!
Antes de mais, surpreende-me o cuidado com a questão está a ser vista pelas autoridades. Todos sabemos o artificialismo em que consiste estabelecer uma idade para a maioridade: há quem não a tenha aos 20, aos 30 até... e há quem com 16 anos seja uma pessoa perfeitamente capaz de decidir com maturidade. Obviamente que esta rapariga, por mais madura que seja, acabada de fazer 14 anos, não poderá ser uma adulta. O facto curioso e, de se lhe tirar o chapéu, é que a decisão das autoridades não se bastou a ser uma decisão de proibir terminantemente a aventura. Foi realizada uma avaliação por um psicólogo e pela Agência Holandesa de Protecção à Infância e a conclusão foi a de que Laura era uma rapariga física, emocional e psicologicamente preparada para o empreendimento.
Diga-se que, tecnicamente, navega desde que nasceu, já fez inúmeras viagens e é o que se poderia dizer uma "mestre" desta actividade. Quando se iniciaram estas polémicas, o pai, que está a seu lado (a mãe é que tem algumas dúvidas, os seus pais estão separados) apoiou uma travesia da filha da Holanda até Inglaterra, um pouco como a demonstrar que era capaz. As autoridades inglesas, face à agitação que existia no mar, não permitiram que ela partisse de volta para a Holanda e obrigaram o pai a ir buscá-la. Acontece que o pai, contrariado lá foi a Inglaterra, mas que disse que a filha voltaria para a Holanda a velejar... e ela voltou... a velejar! Aliás, esta história parece que tem já o antecendente do pai, que com 12 anos fez também uma travessia no Mar do Norte.
A decisão de Outubro de 2009, dada pelo tribunal holandês que se tem pronunciado sobre o assunto, foi a de que havia vários aspectos que não estavam assegurados tais como a questão de conhecimentos de primeiros socorros, a gestão do sono e a segurança geral e, por isso, que proibia a sua viagem até que, em Junho de 2010, se fizesse nova avaliação.
Recentemente, um rapaz inglês de 17 anos quebrou o recorde de idade ao completar uma viagem ao mundo em solitária e a moda está a pegar.
Que intrépidos navegadores estes, que abandonam o quentinho de suas casas, a play-station e o ipod, para se fazerem aos mares agitados!
E que sonhos não povoam a suas almas, de irem mais longe, de descobrirem o que há para lá do horizonte?
Saudo os jovens como Laura Dekker que nos fazem sonhar alto. E saudo as autoridades holandesas e a sua competência pela forma cuidadosa, séria e criteriosa de agir.
Se queres navegar por esses mares fora, cara Laura, aprende que em terra se aprende muito do mar, das suas grande vagas, tempestades e cabos. E que, se ainda não foste para os mares, foi porque em terra alguém quer saber de ti e apenas saber se estás preparada para partir.
Ninguém te aprisionará os sonhos! Agora que voltaste a casa, o que farás? Vais fugir novamente? Vou seguir os teus próximos capítulos Tom Sawyer.

Comentários

Maria disse…
São muitas as vezes em que ouvimos uma notícia e nem paramos para filtrar a informação que nos é dada… tantas vezes comentamos e julgamos precipitadamente, detentores de um pensamento automático que nos bloqueia e nos afasta das reais e verdadeiras questões…

Talvez por isso, abrir o blog e encontrar este testemunho, tenha sido um incentivo a parar e repensar toda esta história e tantas outras que conhecemos… À medida que ia lendo não me saía do pensamento a tão simples e difícil questão que tantas vezes encontramos quando falamos na Educação e formação do Ser Humano como um todo.

Estaremos nós a Educar as crianças e jovens de hoje para a conquista de uma verdadeira Autonomia? Onde independentemente da idade sejam capazes de atingir uma maturidade coerente, reflectida; capaz de “olhar” e viver a sua presença no mundo segundo uma perspectiva personalista, vivendo conscientemente o seu importante e responsável papel no “Património Cultural da Humanidade”?

Estaremos nós, enquanto educadores e, principalmente, enquanto sociedade, preparados para aceitar estes jovens, que demonstram uma maturidade real e adquirida, que tantas vezes subestimamos e desvalorizamos, anulando o seu imenso potencial? Não seremos nós os principais responsáveis, por este fenómeno, que tantas vezes procuramos contornar e justificar, de uma juventude cada vez mais imatura que leva, na maioria das vezes a uma desorganizada, desestruturada e tardia entrada na idade adulta?

Todos nós somos portadores de sonhos; todos nós
um dia, em algum momento, ousámos…

E uma Educação que não parta desta perspectiva do “Sonho”, de um mundo de possibilidades, é uma educação vazia, que dificilmente dará adultos consistentes; capazes de se superarem; audazes e responsáveis na sua acção; sem medo de enfrentar derrotas, quedas e frustrações.
Na história desta adolescente encontramos a verdadeira importância de Sonhar, mas Sonhar, como diz Cury, com disciplina… pois só assim o Sonho não será vão e não levará à frustração do inalcançável. Quem assume o Sonho como apenas imaginação criativa da criança, num determinado momento da vida… então, é porque nada sabe do peso que este tem na nossa vida. É ele que nos liberta, que nos lança em desafios constantes, que tantas vezes nos soluciona problemas… e que seja em que idade for nos mantém vivos.

Nesta perspectiva e olhando para o exemplo Laura Dekker acredito numa Educação que leve as crianças e jovens, de hoje, a sonharem mais; a não terem medo de compromissos; de estabelecerem metas e objectivos; de lutarem conscientemente, de forma coerente e com bom senso, por aquilo em que acreditam e querem, realmente, para as suas vidas. Que estes jovens que ousam seguir os seus sonhos, não sejam afastados, excluídos ou vistos como casos isolados… mas que a sociedade, automatizada e estereotipada, que os envolve, os inclua e seja enriquecida neste objectivo maior de “Ser Mais”.

Não tenhamos medo de dar espaço, tempo, condições necessárias, para que cada criança e jovem construa alicerces firmes e sólidos capazes de suportar os seus “altos voos”… nunca esquecendo as palavras de Augusto Cury “(…) os sonhos não determinam o lugar onde vamos chegar, mas produzem a força necessária para nos tirar do lugar onde estamos”

Obrigada por este testemunho que mais uma me vez me ajudou a parar (a aportar) nesta longa, difícil, mas possível “travessia” de “EDUCAR HOJE”.

Maria
buildtheschool disse…
Obrigado Maria pelo enriquecimento que traz ao blog. Deixe-me pegar nas palavras de Sebastiao da Gama - que tive que ver exactamente quais eram para me relembrar:

O SONHO
Pelo sonho é que vamos,
Comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não frutos,
Pelo Sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
Que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
Com a mesma alegria, ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

-Partimos. Vamos. Somos.
Maria disse…
Sebastião da Gama… que bom…obrigada… um poeta em que tantas vezes encontro simples fragmentos de verdade, que muitas vezes camuflamos na imensidão confusa das nossas vidas... Também ele, na sua curta mas intensa passagem por este mundo, se entregou à Educação…

Foi bom ler no seu testemunho a expressão “ tive que ver exactamente quais eram para me relembrar ”… essa necessidade de relembrar, de confirmar, de ir à fonte; à essência exacta e crua transmitida pelos autores, que tantas vezes sabemos de cor, que tantas vezes repetimos, que com o tempo passam a “ser nossas”; e que talvez por estarem tão perto e tão presentes deixamos de as “ver” e de as sentir… é bom sentir esta necessidade de “chegar à essência” como quem olha pela primeira vez, com a intensidade de quem absorve totalmente cada palavra, expressão, mensagem…

E porque temos falado tanto em sonhos, em projectos, perspectivas, caminhos e possibilidades de dar mais à Educação de hoje, não sou capaz, de não partilhar uma carta aberta, apesar de densa e longa, escrita no prefácio do livro “A Escola com que sempre sonhei; sem imaginar que pudesse existir” de Rubem Alves, que numa estrutura muito simples, objectiva e concisa nos dá a conhecer um “bocadinho” da imensidão vivida na Escola da Ponte nº1, em Vila das Aves.
Maria disse…
“Não cobiço nem disputo os teus olhos
não estou sequer à espera que me deixas ver através dos teus olhos
nem sei tão pouco se quero ver o que vêem e do modo como vêem os teus olhos;
Nada do que possas ver me levará a ver e a pensar contigo
se eu não for capaz de aprender a ver pelos meus olhos e a pensar comigo;
Não me digas como se caminha e por onde é o caminho
deixa-me simplesmente acompanhar-te quando eu quiser
Se o caminho dos teus passos estiver iluminado
pela mais cintilante das estrelas que espreitam as noites e os dias
mesmo que tu me percas e eu te perca
algures na caminhada certamente nos reencontraremos;
Não me expliques como deverei ser
quando um dia as circunstancias quiserem que eu me encontre
no espaço e no tempo de condições que tu entendes e dominas;
Semeia-te como és e oferece-te simplesmente à colheita de todas as horas;
Não me prendas as mãos
não faças delas instrumento dócil de inspiração que ainda não vivi;
Deixa-me arriscar o molde talvez incerto
deixa-me arriscar o barro talvez impróprio
na oficina onde ganham forma e paixão
todos os sonhos que antecipam o futuro;
E não me obrigues a ler os livros que eu ainda não adivinhei
nem queiras que eu saiba o que ainda não sou capaz de interrogar;
Protege-me e com o silêncio (intimamente sábio) das tuas palavras e dos teus gestos
ajuda-me serenamente a ler e a escrever a minha própria vida.”
(As Lições de uma Escola – uma Ponte para muito longe…)

Foi há algum tempo que li esta “carta” pela primeira vez e lembro-me de não a absorver e entender numa só leitura… os tempos passaram e sempre que me lembro da velha máxima de um filósofo grego “tudo o que possuo transporto comigo” lembro desta carta e da filosofia que está por detrás da Escola da Ponte, para muitos utópica e inconsistente, de um homem que ousou sonhar, ousou desafiar todo um Sistema Educativo em nome de um projecto maior, não por ser melhor, não por ser mais eficaz, mas porque ali e naquelas circunstâncias era necessário e possível… A Escola da Ponte, que hoje, é para tantos teóricos uma referência da verdadeira possibilidade de mudança com sucesso, em educação, nasceu na convicção firme e inabalável de alguém que acreditou e lutou até ao fim por aquelas crianças… e que nunca desistiu, pelo contrário, sempre que instalava em si um sentimento de derrota, inércia e vontade de assumir um possível fracasso utópico, era ali, naquele “barracão” restaurado e naquelas crianças que todos os dias cresciam e davam mais e mais, que encontrava a força para continuar.

Obrigada ao maior sonhador deste Projecto, Dr. José Pacheco e a todos aqueles que se juntaram a ele, por todos os dias alimentarem a esperança de “Ser Mais” nunca esquecendo a frase de Antoine de Saint-Exupéry: “Entre a multidão há homens que não se destacam, mas são portadores de prodigiosas mensagens. Nem eles próprios o sabem.”

Foi bom encontrar este blog… E pensar que tudo partiu de um pequeno livro, de capa colorida, que no meio de tantos outros se destacava por ter a palavra “hoje”…

Maria
buildtheschool disse…
Nessas palavra que me deu a ler e que não conhecia - e que também terei que voltar a ler para mastigar melhor..., consigo perceber o grito de cada um de nós a sermos nós próprios, a realizarmo-nos como somos. Essa liberdade que todos reclamam e que é um dado inato, é o grito rebelde dum Cyrano de Bergerac, mas que todos temos dentro de nós.

"Protege-me e com o silêncio (intimamente sábio) das tuas palavras e dos teus gestos
ajuda-me serenamente a ler e a escrever a minha própria vida.” O silêncio - "intimamente sábio" -numa presença sentida e vivida com o outro, e não como dois corpos ao lado um do outro que se ignoram, é um verdadeira Humanidade.

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