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A mostrar mensagens de maio, 2020

Revisão de vida

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Eu tinha um hábito que de alguma maneira perdi: todos os meses eu reservava um dia para durante 2/3 horas fazer uma revisão do mês que passara. Em Sintra, saía de casa, com uma mochila. Levava um livro velho de um escritor espiritual, o Pe. Michel Quoist. Esse livro chama-se "Reussir" (em Português, "Construir"). Esse livro pertencera ao meu tio Duarte, irmão de meu pai, que morrera ainda jovem. Seguindo pelos caminhos antigos da Serra de Sintra, chegava por vezes ao Parque da Pena, onde, para os lados do lago e, indo em direcção do Chalet da Condessa, fugia um tanto dos caminhos mais expostos. Na verdade, não encontrava quase ninguém por lá. E, assim, serpenteava pelos trilhos, mais como exercício de suspensão do que para gozar a paisagem, em que ia puxando pela memória. Os cadernos onde rabisco tudo o que preciso, serviam para reavivar a vida assim vivida, ao longo de todo um mês...

Atmosferas

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Peter Zumthor, um pensador do espaço, um arquitecto suiço, que é também um poeta na combinação dos materiais para criar ambientes em que o ser humano se sente bem, tem um livro chamado "Atmospheres", que creio não estará traduzido no português de Portugal. Sou muito interpelado pelas atmosferas dos lugares. Numa casa, na minha casa, por exemplo, preciso de me sentir confortável. Prefiro os quartos pequenos a grandes quartos. Gosto de acordar de manhã e ver a luz ainda fraca a bater nos telhados e sentir a frescura do ar.  Não gosto dos espaços demasiado higienizados. Não me importo com uma portada de madeira empenada e com tinta a cair, se por ela puder espreitar um pequeno vaso de uma flor pendurada na balaustrada da varanda. A escala intimista e a capacidade de apropriação do espaço são dimensões que me trazem bem-estar. Os ingleses têm a expressão "coziness".  Ontem estive num espaço vazio e tenho pensado como me apropriaria daquele espaço, como o torn

Duas lições ("o fio ténue da confiança" do ciclo short stories)

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A semana passada aprendi duas boas lições, muitos simples. Uma boa arrumação A primeira lição é a de que uma arrumação bem feita nos permite encontrar coisas inesperadas. Ter tempo para arrumarmos a nossa tralha é importante, pois damos por nós a concluir que já temos muito daquilo que julgávamos precisar comprar. Mas isto pode aplicar-se a quase tudo: acarinharmos os nossos livros, p.e., quantos dos nossos livros são livros que nunca quisemos conhecer? Quantos dos nossos livros esperam pelo gesto de os abrirmos, de começarem a falar connosco?  Preferimos quase sempre comprar, precipitar-nos para os eldorados do comércio. Parece que o acto de compra liberta uma enzima em nós, que nos faz felizes. A novidade de uma capa nova parece que é como comprar um carro novo. É algo semelhante a "the grass next door is always greener". Mas um livro numa prateleira que espera por nós, é também se calhar como aqueles amigos com quem há muito deixámos de conversar. Aquelas amizad

Não se perturbe o vosso coração

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“Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus; crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, como teria dito Eu que vos vou preparar um lugar? E quando Eu tiver ido e vos tiver preparado lugar, virei novamente e hei-de levar-vos para junto de mim, a fim de que, onde Eu estou, vós estejais também. E, para onde Eu vou, vós sabeis o caminho.» Jo 14, 1- 4 A frase tem ressoado em mim: "não se perturbe o vosso coração". A sabedoria do coração, o órgão que pulsa e que grava tudo, mas que nos exige um trabalho de ourives que nos pede que o deixemos respirar, massajando cada nódulo com infinita paciência. O coração palpita, vive, agita-se, sofre e alegra-se. É uma criança nas nossas mãos que pede cuidados. Uma criança que, quando agitada pelas emoções, requer que a embalemos, sussurando palavras que a sosseguem e que talvez só uma noite bem dormida faz com que acerte o passo. Tudo regista, tudo sente. E que precisa de respirar. Preci

Luxos verdadeiros

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« Um luxo verdadeiro é um encontro humano, um momento de silêncio perante a criação, o gozo de uma obra de arte ou de um trabalho bem feito. Gozos verdadeiros são aqueles que embargam a alma de gratidão e nos predispõem ao amor.                 Quantas vezes aconselhei aqueles que me pedem ajuda, na sua angústia e no seu desalento, que se dedicassem à arte e se deixassem invadir pelas forças invisíveis que operam em nós. Todas as crianças são artistas que cantam, bailam, pintam, contam histórias e constroem castelos. Os grandes artistas são pessoas estranhas que conseguiram preservar no fundo da sua alma a sagrada candura da infância e dos homens que chamamos primitivos, e por isso provocam o riso dos estúpidos.                 A arte é um dom que cura a alma dos fracassos e dos dissabores. Anima-nos a cumprir a utopia a que fomos destinados.» Ernesto Sabato, Resistir

Mafalda Veiga

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Estive a ouvir Mafalda Veiga, gosto muito da sua música (adoraria fazer uma tese sobre a sua poesia). É extraordinária a sua dimensão. Há nela uma poesia sensível com que me identifico. Uma força profunda que vem duma esperança interior.  Donde vens tu Mafalda que fizeste letras únicas? Sei que és do Alentejo. Penso que ela esculpe com mestria os abismos da alma e a ânsia de chegarmos ao outro - por esticarmos o braço e tocarmos o outro. Utiliza metáforas que nos ajudam a pensar nessa ligação ao outro, ao amor que é mais forte. Mas por vezes há apenas o eu e as estrelas. O processo de ser trigo, para depois ser restolho. "É preciso morrer e nascer de novo"; "A vida não é existir sem mais nada, a vida não e dia-sim-dia não… é feita de cada entrega …”! Eis o esteio! Lembro-me de ir estrada fora para o Alentejo, ouvindo  "um pouco de céu", libertando-me duma semana que fica para trás, o tejadilho aberto do meu VW. O lindo céu do fim do dia e depois

Diário Gráfico

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Somos felizes ou infelizes no tempo, no dia que dura 24 horas. Tenho aprendido que "less is more", que tenho que escolher. Leio agora "Guerra e Paz"; neste último mês e meio li vários livros. Vi vários filmes, quase todos bons. A América nisso é inultrapassável. E, que tal, sermos felizes com o que temos? Com a cidade que temos, com os amigos que temos, com a casa e o trabalho que temos. Porque fazemos da nossa vida um tempo sempre adiado? O tempo em que viveremos naquela casa, em que teremos aquele trabalho? Naquele tempo em que estaremos de férias, naquela casa que dá para a praia. Devemos pensar na sorte que temos. Em sermos saudáveis, em poder andar, correr, ver e cheirar. Ontem corri junto ao Tejo. Ao final da tarde, as nuvens ficaram com tons dourados. Em tons para se fazer uma tela. Encontrei-me com um amigo. Conversámos. Vim a ouvir música. Lisboa é uma bela cidade. Temos rio e colinas, jardins e avenidas. Porque perseguimos