Mafalda Veiga


Estive a ouvir Mafalda Veiga, gosto muito da sua música (adoraria fazer uma tese sobre a sua poesia). É extraordinária a sua dimensão.
Há nela uma poesia sensível com que me identifico. Uma força profunda que vem duma esperança interior. 
Donde vens tu Mafalda que fizeste letras únicas? Sei que és do Alentejo.
Penso que ela esculpe com mestria os abismos da alma e a ânsia de chegarmos ao outro - por esticarmos o braço e tocarmos o outro.
Utiliza metáforas que nos ajudam a pensar nessa ligação ao outro, ao amor que é mais forte.
Mas por vezes há apenas o eu e as estrelas. O processo de ser trigo, para depois ser restolho. "É preciso morrer e nascer de novo"; "A vida não é existir sem mais nada, a vida não e dia-sim-dia não… é feita de cada entrega …”! Eis o esteio!
Lembro-me de ir estrada fora para o Alentejo, ouvindo  "um pouco de céu", libertando-me duma semana que fica para trás, o tejadilho aberto do meu VW. O lindo céu do fim do dia e depois as estrelas!

O que se sente? Há uma força calma nas palavras: "...e há qualquer coisa a nascer
bem dentro no fundo de mim e há uma força a vencer qualquer outro fim". É a força da primeira gota que cai do alto duma barragem. É a enorme força da liberdade.

"É que hoje parece bastar um pouco de céu"

Só hoje senti
Que o rumo a seguir
Levava pra longe
Senti que este chão
Já não tinha espaço
Pra tudo o que foge
Não sei o motivo pra ir
Só sei que não posso ficar
Não sei o que vem a seguir
Mas quero procurar
E hoje deixei
De tentar erguer
Os planos de sempre
Aqueles que são
Pra outro amanhã
Que há-de ser diferente
Não quero levar o que dei
Talvez nem sequer o que é meu
É que hoje parece bastar
Um pouco de céu
Um pouco de céu

Só hoje esperei
já sem desespero
que a noite caísse
nenhuma palavra
foi hoje diferente
do que já se disse
e há qualquer coisa a nascer
bem dentro no fundo de mim
e há uma força a vencer
qualquer outro fim

não quero levar o que dei
talvez nem sequer o que é meu
é que hoje parece bastar
um pouco de céu
um pouco de céu

Comentários

Monserrate disse…
Regressei a 1997 a um tempo que “vai caminhando desamarrado”, a um crescimento feroz que tenta “(…) entender o rumo que a vida nos faz tomar”. O tempo, em que tudo nos influencia e nos ajuda a desbravar e descodificar quem somos. Estas letras e músicas são linhas que tecem a minha história… como se o nossos crescimento e interrogações, tivessem tido significado ali. As inquietações, as paixões, as angústias eram aquelas e este reconhecimento era alento… intensos tempos… deixam saudade.


E assim como entram na nossa vida sem pedir… também nos deixam sem que tenhamos grande consciência. Não sei se são amores que perdem força porque já deram tudo… se são as novas paixões que vão ganhando lugar. Encontramo-nos e somos em muitas outras poesias. O grande capítulo Mafalda Veiga, fecha-se no ano de 2006. Talvez a tenha guardado num tempo e numa época. Talvez não a tenha trazido comigo (nem faça parte da minha playlist) … não sinto que seja por já não fazer parte de mim, mas por já ter feito um bom trabalho em mim.

Ficam as boas memórias, ficarão sempre as frases soltas no coração. “Não percas tempo…o tempo corre (…) e dá-te ao vento como um veleiro… solto no mais alto mar. ”, “pedes um tempo para balanço de vida, mas eu sou de letras não me sei dividir (…) e prendes-me a dizer… que me estás a salvar (…)”, “ um lugar a salvo…para onde correr”, “(…) é feita em cada entrega alucinada”, “(…) só hoje senti que o rumo a seguir… levava para longe”. … e tantas outras que em momentos da nossa vida nos soam ao ouvido, como verdade.

Também não sei quem é esta Mafalda… mas reconheço-lhe um talento singular … agradeço-lhe a simplicidade a discrição, a poesia e a música.

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