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"Deixa de sofrer"

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A história dum rapazinho irlandês inteligentíssimo (um tanto ou quanto asperger porém), cuja mãe atleta morrera a nadar numa piscina e que ele quer voltar a trazer à vida. Um casal desencantado, ela professora, uma mulher sensível. E como um projecto comunitário de construir um barco os põe no mesmo caminho, numa oficina de carpintaria na escola.  A Irlanda, país que conheci em dois Verões da minha juventude e onde fiz canoagem. O livro trouxe-me lembranças desse tempo em que nos aventurámos em "ponds" e "rivers", molhando-nos pelo menos até à altura da cintura, de sapatos de ténis enfiados em canoas. O livro tece um enredo em que se sente o pulsar das relações humanas, na sua complexidade, mas onde é possível ainda acreditar que pode haver proximidade e intimidade. Sempre presente está o que são as nossas ânsias e o sofrimento que cada um guarda. Quase se poderia dizer que as personagens se conhecem pelo seu sofrimento. Quando constroem o barco, de forma comunitári...

Promessas goradas

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Um pobre mecânico que vive num abarracado no Cercal do Alentejo, que nem água terá, cruza-se nas redes sociais com uma linda jovem americana, que pouco tempo depois promete vir ter com ele. O homem, que vive só e é triste, envia-lhe dinheiro, todo o pouco que tem para a ajudar nos custos da viagem.. Uma senhora, também do Cercal do Alentejo, assomada por dúvidas quanto ao que fazer na sua vida financeira pois a reforma é pouca e já não conseguem por razões de saúde trabalhar a terra, deposita uma pergunta nos comentário abertos de uma astróloga que costuma falar na televisão. A partir daí um diálogo se inicia, que se segue para uma série de rituais de magia, com indicações precisas e montantes a pagamento prescritos.  O mecânico no dia em que se senta no café da aldeia antes de ir buscar a sua amada ao aeroporto de Lisboa, com taxi à porta do café, mostra a fotografia da beldade: a rapariga não é mais do que um rosto produzido em IA - quem o diz é uma jovem, que bem sabe o que diz....

A Rainha Santa, 700 anos depois da sua peregrinação a Santiago de Compostela

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O que poderá uma santa do longínquo séc. XIV português dizer-nos 700 anos de depois? Exercício ousado para quem não é teólogo nem historiador… mas creio não dizer nenhuma asneira se disser que a vida na Idade Média era em geral bastante mais difícil do que é hoje e que vivemos num mundo muito diferente. Deslocamo-nos facilmente, comunicamos em tempo real para o outro lado do planeta, um número alargado de confortos e distrações está ao alcance da generalidade da população das nossas cidades. Confesso que sempre me causou alguma estranheza o tom com que é descrita a vida na “Salve Rainha”, oração atribuída ao monge Hermano Contracto, que a teria escrito por volta de 1050, no mosteiro de Reichenau, no Sacro Império Romano-Germânico: “(…) A Vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Eia, pois, advogada nossa, esses Vossos olhos misericordiosos a nós volvei. E, depois deste desterro, nos mostrai Jesus, bendito fruto do Vosso ventre (…)”. Todavia, se tivéssemos em conta qu...

Por Londres

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Estive uns dias por Londres recentemente. O fito principal desta viagem era fazer algumas pesquisas para o livro que tenho andado a escrever, uma pequena obra de ficção, que tem o seu início justamente em Londres. O livro começa com um percurso pelo St James Park, rumo à National Gallery. Aí, um cortador-de-relva remete a personagem principal do livro para a sua infância na Serra da Arrábida, onde um conjunto de miúdos se deitavam à volta duma piscina, num relvado. Ora os meus dias por esta cidade começaram justamente pela National Gallery, local onde haverá uma conversa frente a um intrigante quadro de Hans Holbein, os "Embaixadores". Surpreendido por ser gratuita a entrada no museu, lá me desloquei até ao famoso quadro e assisti a explicações sobre o quadro e aprendi novos ângulos sobre os quais o quadro pode ser analisado. O problema da consciência, da escolha entre o bem e o mal, por exemplo. O tema central do quadro é o cisma que Henrique VIII cria em relação à Igreja Ca...

Tia Maria José, nos seus 80 anos

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Temos uma família alargada numerosa. A tia Maria José, casada com o tio Thomaz, o irmão mais velho dos filhos da avó Mi e do avô Augusto e meu padrinho é um elemento muitíssimo importante e de quem todos gostam imenso. Faz parte da nossa vida, habituámo-nos a contar com a sua presença desde novos e posso dizer que ela sempre acrescentou. É uma pessoa muito completa. Muito atenta aos outros, exerce como poucos a capacidade de escutar e interessa-se genuinamente pela vida das outras pessoas. É essa uma das qualidades que mais admiro na tia Maria José. Quando estamos há mais tempo sem nos vermos e nos encontramos, tenta saber de nós - e sentimos que não se trata apenas de perguntas de circunstância. Certas vezes, tenho tido a sorte de ir jantar a casa dos tios a Santa Isabel, onde a tia promove jantares com sobrinhos, nomeadamente aqueles (muitos) afilhados dos tios. É uma pessoa que reúne os outros à sua volta, que sabe unir. Não conheço ninguém que não goste dela. Tem sempre uma palavra...

A esperança demencial de dois argentinos

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Não estamos autorizados a dar-lhe essa informação

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Joseph K. foi certamente vítima de alguma calúnia, pois, numa bela manhã, sem ter feito nada de mal, foi detido. (...) No mesmo momento, alguém bateu à porta e um homem que ele nunca antes vira naquela casa entrou no seu quarto. (...) Não - o Senhor não pode sair, o Senhor está preso. É o que parece - observou K. - E porquê, pode-se saber? - Perguntou ainda. - Não estamos autorizados a dar-lhe essa informação. Vá para o seu quarto e aguarde. Foi-lhe instaurado um processo e, no momento próprio, será informado do resto. K. pouco se importou com aquele conselho, o que o preocupava realmente não era o direito que talvez ainda possuísse de dispor sobre as suas coisas, mas sim conseguir perceber o que se passava naquela casa. in, "O Processo", de Franz Kafka