Carta de Portugal a um Adolescente

Car/o/a amigo/a,
Julgo que nunca recebeste uma carta minha e por isso vou apresentar-me:
- O meu nome é Portugal e tenho cerca de 850 anos de vida. Podes estranhar tão provecta idade, pouco vulgar nas pessoas - talvez possível noutros seres como na "Guerra das Estrelas" com o Yoda - mas eu sou um país...
Tu tens quantos?
Ora bem... deixa-me contar-te uma estória...
As navegações que aí por volta dos meus 300 anos começaram a levar-me mais para longe, permitiram-me ir saindo da Europa e conduzir-me por esse mundo fora.
Ora, tal como tu estás agora a abrir-te ao mundo, também eu há cerca de 500 anos quis-me abrir ao mundo. E acredita que quando te falo, falo de experiência feita, pois e, perdoa-me a imodéstia, fui eu que, ao abrir-me ao mundo, abri o mundo.
Segue-me então:
Até há pouco tempo julgo que andavas a navegar inteiramente à vista dos teus pais. Não é verdade? Comigo também assim acontecia nesses primeiros tempos: embarcações pequenas e com pouca autonomia.
Com o passar dos tempos, porém, começou a surgir em mim uma enorme ânsia de conhecer o grande mundo que se estendia diante dos meus olhos, mundo que desconhecia; mas que me atraía. Por vezes, das viagens de mercadores feitos pelo velho Mar Mediterrâneo soavam ecos da existência de terras distantes. Mas o Mediterrâneo já era conhecido, já era dominado por mercadores daquela que é hoje a Itália. A mim o que me fascinava era o grande oceano que se abria diante dos meus olhos, não aquele que a Europa conhecia. E, de curiosidade inicial passei à vontade e, da vontade, finalmente à acção!
Mas não penses que essa acção, essa aventura foi vivida duma só vez, que me atirei de repente no vasto oceano. Isso não seria coragem, seria temeridade suicida. Foi aos poucos... houve muitas pequenas aventuras nessa Grande Aventura. É verdade que quis e consegui navegar por mares novos, "por mares nunca dantes navegados" como Camões escreveu. Também é verdade que nem sempre tudo correu bem e foi fácil, que não houve tempestades, correntes e ventos contrários. Por isso foi preciso prudência também.
Nesses primeiros tempos contava já com alguns mapas, com conhecimento dos astros e fui ganhando aos poucos mais conhecimentos e assim, porque já podia, ia querendo ir mais longe.
Estive primeiro em Ceuta em 1415, onde tive a primeira experiência fora de casa. Fui seguindo para para o sul, nesse continente africano. Não me aventurava muito para além da vista de terra ainda. As terras por onde passava eram novas ainda para mim, mas ao nelas passar, deixava um mapa a descrevê-las para mais tarde me poder orientar.
Às páginas tantas, cheguei ao Cabo das Tormentas, o cabo onde vivia o Adamastor. O medo era muito. Mas depois de algumas tentativas superei-o. Venci-o!
Tu deixaste de ser criança, já não queres que te digam tudo o que tens a fazer e queres fazer as coisas por ti. Isso é bom, é sinal que estás a crescer. Queres fazer os teus amigos, rapazes e raparigas, combinar programas com eles, ir a festas, etc.
Descobres-te interessado/a por conhecer melhor as raparigas/ os rapazes.
Quando eras criança, a tua autonomia era pouca. Por ex. estavas na praia e pedias aos teus pais um gelado e eles davam-te 1 euro ou 2 e tu ías sozinho/a à barraquinha dos gelados ou ao café. Tu provavelmente ao início ficavas todo/a contente por ires sózinho/a. Os teus pais sabiam que muito mais do que isso não poderia ser porque tu ainda eras muito pequeno/a.
Mas cresceste... e já queres mais do que ir comprar gelados sózinho/a... e assim ter mais autonomia para poder navegar até mais longe.
Da minha experiência gostava de te dar um conselho para o sucesso da tua viagem: tenta estar sempre acordado/a, não adormeças ao leme. Tenta ser tu a guiar o leme da tua caravela e a não afastar-te muito das tuas coordenadas. Nas aventuras que viveres terás ocasião de conhecer muita gente, gente amigável e interessante, mas também quem é menos bem interessante. Mantém o leme firme!
Depois de acumulares muita experiência, de passares vários cabos (cada um terá os seus), fazeres novas descobertas (as tuas) hás-de conseguir navegar em mar alto, em pleno oceano. Mas mesmo aí não te esqueças que não contas apenas contigo. Contas com as estrelas que te guaim em momentos de maior tormenta, pontos de referência e orientação: pessoas cujo exemplo admiras e acima de todos, se nele crês, em Deus.
Vais agora conhecendo novos lugares e novas pessoas. Tudo é bom na medida em que nos enriquece enquanto pessoas. Não sei se conheces uma cantiga que diz o seguinte: "a vida não é existir sem mais nada, a vida não é dia sim dia não, é feita em cada entrega alucinada para receber daquilo que aumenta o coração".
Com os meus sinceros votos de boa navegação,
Portugal

Comentários

Maria disse…
… Ainda a comentar o aparentemente simples poema de Sebastião da Gama, fui surpreendida por um novo testemunho… que me levava a entrar numa profunda e intrigante viagem… ao longo dessa carta cheia de simbolismos e metáforas…

Ali, estava a necessária e envolvente viagem do Homem na busca da sua existência… a gigantesca capacidade de partir, de sair de si para se encontrar… para aumentar esse seu, imenso e vasto, universo de possibilidades e dar-se sem medida e numa “entrega alucinada”, ao mundo…passando pelo “naufrágio”, retirando o essencial, aquilo que nos basta, que nos preenche, que nos completa, que nos eleva verdadeiramente.

E porque a nossa vida é envolvida em múltiplos fragmentos partilhados pelo mundo, aqui, nas magníficas palavras de Konstantinos Kaváfis, fica um poema que está sempre presente na minha vida, que leio e releio, vezes sem conta, como quem procura não esquecer o nosso “destino final” …

Ítaca
Quando tomares o caminho de Ítaca,
anseia para que a viagem seja longa,
cheia de aventuras, cheia de ensinamentos.
Os Lestrigones e os Ciclopes não temas,
Nem a cólera de Poseidon;
Jamais os encontrarás no caminho se o teu pensamento for elevado,
Se emoção requintada o teu espírito e o teu corpo agir.
Os Lestrigones e os Ciclopes
não encontrarás, nem o irascível Poseidon,
se não os trouxeres na tua alma,
se a tua alma não os colocar à tua frente.

Anseia por que a viagem seja longa.
Para que sejam muitas as manhãs de Verão nas quais,
Com que prazer e alegria, descobrirás portos que nunca viste;
para que te detenhas em feitorias fenícias
em busca de mercadorias preciosas,
âmbar, coral, ébano, néctar
e caprichosos perfumes, os mais diversos;
para que visites também muitas cidades egípcias,
para que te instruas junto dos que sabem.

Mantém sempre Ítaca presente no teu espírito.
Alcançá-la é o teu destino final.
Mas não te apresses em nada na viagem.
É melhor prolongá-la durante anos
e chegar à ilha só na velhice,
rico com o que terás ganho no caminho,
sem esperar de Ìtaca qualquer riqueza.

Ítaca ofereceu-te a bela viagem.
Sem ela não te terias posto a caminho
Nada mais tem para te dar.
E se um tanto pobre a encontrares, Ítaca nunca te enganou.
Sábio como te tornaste, com tal experiência
Hás-de ter compreendido o que as ítacas significam. (Konstantinos Kaváfis)


“mas é preciso morrer e nascer de novo, semear no pó e voltar a colher, há que ser trigo, depois ser restolho, há que penar para aprender a viver…”

Maria
buildtheschool disse…
Um poema lindo, que acompanhou a minha semana e que passei a amigos. Faz lembrar aquela história do Pai que a hora da sua morte se vira para o seu filho e lhe diz: "remexe a terra que te deixo, remexe-a e remexe-a, nao deixes nem um só pedaço dela sem o machado, que talvez um dia, quando fores velho, nela encontres um tesouro". E, passados muitos anos, depois de fazer o que o seu pai lhe pedira, o filho descobriu o tesouro. O tesouro estava enterrado na terra, o tesouro tinha sido todo o trabalho empregue! Esse era o maior ensinamento que o seu pai lhe poderia dar.

Muito obrigado Maria por me ter dado a conhecer este texto tao bonito!

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