Livros e artigos, Portugal como pano de fundo

1. Porque escrevi o livro do Tivoli?

No outro dia conversava com o João Brandão e ele contou-me uma história, que conduzia ao propósito das coisas. Nesse novo projecto pergunta-te: "o que te move?"

Na verdade não sei porque escrevi o livro do Tivoli. Foi uma tarefa árdua, levou muito tempo, também gastei muito dinheiro.

É habitual que ofereça a outas pessoas com muito mais gosto outro livro que fiz: "uma Educação com Sentido, uma reflexão sobre a Escola, hoje". Sinto que nele dei muito de mim, que foi um esforço muito pessoal de pensar o que é para mim uma educação, uma verdadeira Educação, daquelas que se escrevem com letra maiúscula.

O livro do Tivoli foi uma grande empreitada, talvez maior do que desejaria, teve momentos bons de conhecer pessoas, de olhar para o passado. Mas nada disso vivi ou presenciei e houve domínios do livro muito técnicos. Mas esse passado também me fala do que ficou e do que foi a cultura numa grande parte do século XX em Lisboa. Foi fascinante conhecer grandes músicos, como Rubinstein. Aprendi certamente algumas coisas

Penso que foi Peter Drucker, um grande mestre do séc. XX que dizia qualquer coisa como que de 4 em 4 anos aprendia uma coisa totalmente nova. Aprender sobre Cinema, Teatro, Dança e Música nesses anos foi para mim talvez uma experiência não muito diferente desses ciclos de 4 em 4 anos de Drucker.

Gostei de conhecer figuras como Raúl Lino. Foi um grande português e por causa do Tivoli, ele que foi o arquitecto do cinema, tive muitas oportunidades de melhor aprofundar o seu legado. 

Uma coisa que aprendi certamente foi que a cultura é muito importante, que uma sala de espectáculos como o Tivoli exerce um grande fascínio. Há um mistério numa sala de cinema, o filme Cine Paradiso é prova disso mesmo. Aliás, como dizia Edgar Morin, a função maior da poesia é colocar-nos num estado poético, sendo que um bom espectáculo interrompe as nossas vidas - a prosa dos nossos dias, pondo-nos nesse tal estado poético. 

A minha família ocupou-se duma sala de espectáculos e eu quis dar corpo à memória disso. Levou-me vários anos a fazê-lo. Houve muitos caminhos que a partir daí se abriram, muitas derivações. Mas houve às tantas também a vontade de acabar o projecto, de apresentar algo. Uma certa resiliência, foi cansativo. Fica um testemunho dum outro mundo, dos artistas e da sua importância. E de uma sala que foi agente de cultura e de civilização. E que ainda por cima era privada, uma coisa hoje em dia que seria impossível!


2. Esta semana foi interessante por um outro aspecto. Alice Wohl, a minha amiga americana enviou-me um artigo escrito por ela sobre a "Bíblia dos Jerónimos". 

Foi para mim um grande presente, ainda pouco saboreado na verdade porque li-o ainda a correr. Este artigo são as ideias dela sobre quem terá encomendado esta grande obra de arte (iluminuras, 6 volumes). Teriam sido italianos mercadores em Lisboa? Terá sido D. João II? D. Manuel I? Ela discorre as suas ideias, dando conta dos tempos em que Portugal estava na vanguarda da Europa e analisa as datas, a informação escassa constante da própria obra e as suas iluminuras que continham também elementos heráldicos. 

Comentou depois Alice comigo que o texto demonstrava como o Rei D. Manuel I foi verdadeiramente um visionário. Sabia que viria a ser rei (o que era apenas uma probabilidade) e desenhou um plano muitos anos antes das coisas virem a acontecer (por exemplo o Mosteiro dos Jerónimos estava muitos anos antes na sua cabeça antes de vir a ser construído), Na sua opinião, a Bíblia dos Jerónimos tinha sido encomendada por si em Itália, ainda não era rei.

O artigo de Alice Wohl, cita várias vezes o Prof. Martim de Albuquerque e o estudo que ele dedicou também para desvendar os segredos desta obra-prima. 

Vai daí e resolvo enviar o pdf para o Professor, podia ser que não conhecesse esse artigo, em boa verdade, segundo a Alice, escrito na melhor revista do mundo de história de arte, a Burlington. Ao fim da tarde liga-me o Prof. Martim de Albuquerque gentilmente a agradecer-me o envio do artigo.

Parece de alguma forma que há algo de detectivesco nestas investigações históricas, ou reminiscências dum qualquer Indiana Jones, e isso agrada-me.

3. Tenho estado a escrever sobre Portugal e ontem, aqui no Rodízio, encontrei um livro muito interessante escrito pelo Pe. Manuel Antunes: "Repensar Portugal". Trata-se de textos que escreveu no imediato pós 25 de Abril e que reflectem sobre o nosso país. Tocam em aspectos interessantes. Antes demais, uma visão de Portugal completa, que vai muito além da visão economicista com que hoje muitas vezes se discutem as coisas. Toca na questão da identidade dum espaço lusófono, que constitui uma necessidade buscar, para que os países que comungam desta herança não se deixem perder em alianças e interesses, que são apenas circunstanciais. Na altura o nosso antigo Império era cobiçado pelos dois blocos. Diz o Pe. Manuel Antunes que Portugal é um país importante porque pertence àqueles países que ajudam a equilibrar o mundo.

Ficou-me também uma coisa interessante da leitura rápida que fiz a este livro: já na altura acusava a burocracia como um grande mal. E diz que esse mal acabou por ser a consequência duma tendência de empregar todos os excedentes dos sectores económicos que foram acabando, abrindo-se o poder público como empregador. Acusa também o clientelismo.

Penso que falta muito a Portugal um novo entusiasmo e que vivemos um grande marasmo. Mas não sei como mudar o estado de coisas. Manuel Antunes dizia que era importante o país estar sempre a se reformar, a se reiventar.

Diz o livro: "O pensador tem todavia a aguda consciência de que este povo, que nos grandes momentos da sua história é capaz de uma invulgar originalidade e de agir com a marca da excepção, capaz de suscitar a admiração dos outros povos, é um povo que nos longos anos da normalidade histórica, acaba por esmorecer, por viver uma existência morna e deixar-se possuir por uma espécie de adormecimento que o faz perder a vanguarda e cair no olvido da história universal ...

... Povo místico mas pouco metafísico, povo lírico mas pouco gregário, povo activo mas pouco organizado, povo empírico mas pouco pragmático, povo de surpresas mas que suporta mal as continuidades, principalmente quando duras, povo tradicional mas extraordinariamente poroso às influências alheias, povo convivente mas facilmente segregável por artes de quem o conduz, é a partir de um povo assim que se torna imperioso iniciar a nova marcha que os acontecimentos do 25 de Abril vieram inaugurar numa das horas mais graves da história de Portugal”21 . Fazendo eco da expressão pessoana “É a hora”, Manuel Antunes adverte que a hora lírica deveria passar. Importa agora que esta seja sucedida pela acção, no entanto, uma acção temperada pela reflexão ponderosa, partindo de uma visão realista “do país que temos, do país que somos”. Os desafios para a Democracia Portuguesa propostos por Manuel Antunes assentam naquilo a que podemos chamar um realismo utópico, isto é, soluções exigentes e transformadoras da mentalidade e das estruturas, que não escamoteiam a realidade, mas que também não dispensam o fermento mobilizador da utopia".

http://www.lusosofia.net/textos/antunes_pe_manuel_repensar_portugal.pdf

4. Num artigo muito bom, o Nuno Archer põe os pontos nos "is" quanto à discussão sobre a disciplina de Educação Cívica. Muito bem e a acentuar (a pôr os pontos nos "is"), de que se trata duma matéria que está a ser mal tratada. 

Num país moderno, queremos de facto continuar a ter esta pobreza cultural de pessoas que não sabem ser cidadãos? Não é esse aliás um dos maiores males do nosso país a falta de literacia cívica? O Nuno coloca bem a questão: a educação não é atribuição de uns ou outros, o que está em causa não é quem é que é dono das crianças, mas como fazer as crianças "thrive" como ele utiliza. 

https://observador.pt/opiniao/um-ponto-nos-is-de-cidadania-e-desenvolvimento/



  





 



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