Bem-estar na profissão de Advogado

Naquele que creio terá sido o último Inquérito aos "Advogados Portugueses - uma profissão em mudança", coordenado pelo Prof. António Caetano do Departamento de Psicologia Social e das Organizações do ISCTE e publicado em 2003 (https://portal.oa.pt/publicacoes/revista-da-ordem-dos-advogados-roa/ano-2003/inquerito-vol-iii/inquerito-aos-advogados-portugueses/), dá-se conta do nível de satisfação que os advogados portugueses têm com a profissão. É um estudo com 20 anos, mas foi o último grande estudo que se fez sobre a profissão.

Não me parece surpreendente que 9,4 % dos inquiridos estejam completamente insatisfeitos com a profissão, sejam 24,2 % os insatisfeitos, ou que 22,7 %  digam que não estão nem satisfeitos, nem insatisfeitos, o que se traduz em 56,3 % de advogados que têm uma relação pouco entusiasmada, se não mesmo difícil, com a sua profissão.

Uma das questões que mais me chamou a atenção é que, globalmente, mais de dois terços dos inquiridos (66,5 %) declararam ganhar menos de 2.000 € mensais, o que é sinal indubitável duma profissão que já não é certamente uma profissão de privilegiados. De facto, tenho conhecimento de colegas meus que se esforçam bastante, mas que não ganham bem - factor certamente para que se sintam não tão contentes com o serem advogados.

Creio que uma das razões para os maus rendimentos é que as pessoas não se especializam de alguma maneira e aceitam fazer de tudo, isto é são essencialmente "generalistas". Isso obriga a que  tenham processos de natureza muito diferenciada e não tenham grandes ganhos competitivos em relação aos colegas, se não o concorrer ao nível do preço dos seus serviços.

Uma vez que muitos advogados trabalham em práticas individuais, devem ter competências não apenas técnicas, como a nível de gestão e outras que são importantes para uma carreira bem sucedida. Nesse sentido, há que saber investir em determinadas competências. Aliás, todos nós devemos saber gerir recursos: o tempo, um dos recursos escassos que temos (juntamente com o dinheiro) deve ser bem aproveitado, isto é gerido de uma maneira inteligente. Trabalhar muito não é sinónimo de trabalhar bem; é importante é trabalhar de forma inteligente.

Outra das aprendizagens importantes para um advogado é a saber descansar, recuperar do esforço. A profissão de advogado é uma profissão muito desgastante. Um advogado normalmente lida com casos difíceis, complexos, regularmente também em alto risco de ser contaminado por "radiações perigosas", "tóxicas". Tem assim que ter uma vida para além da advocacia, em que recarregue baterias e recupere. A Ordem dos Advogados não está desatenta e tem lançado algumas iniciativas como a do inquérito sobre o burnout, ou um wokshop sobre o tema. Mas creio que se precisa de ir mais longe.

Nos EUA foi feito um estudo em 2017 muito interessante coordenado pela "National Task Force on Lawyer  Well-Being" (https://www.americanbar.org/content/dam/aba/administrative/professional_responsibility/lawyer_well_being_report_final.pdf) que começa por dizer que para ser-se um bom advogado é necessário também ser-se uma pessoa saudável, dizendo que muito tem que mudar. As recomendações do estudo concentram-se em cinco temas centrais: (1) identificar os "stakeholders" e o papel de cada um deles na diminuição do toxicidade da profissão,  (2) eliminando o estigma de procurar ajuda/apoio psicológico, (3)  enfatizando que o bem-estar é parte indispensável do dever de competência do advogado, (4) educando os profissionais e estudantes a saber procurar o bem-estar e (5) dar passos pequenos e graduais passos no sentido de como o direito é praticado e como é regulamentado para incutir melhor bem-estar na profissão.

Há uma reflexão estrutural que se poderia desenvolver - promovida pela própria Ordem dos Advogados e com medidas concretas nos serviços que pode prestar aos advogados, seus membros. Lembro-me de 3: um serviço de apoio psicológico, programas de coaching e mentoring. Há que repensar muitas coisas na reorganização da profissão. Por exemplo, creio que determinados regimes como o do patronato precisam de ser revistos, pois estão desadequados às exigências e desafios da prática profissional dos nossos dias. O coaching e o mentoring são hoje ferramentas que bem poderiam representar uma adaptação desse modelo, pois temos que ser francos: os patronos não têm hoje tempo para os seus advogados estagiários...

                                        
    Honoré Daumier (1808-1879), "Dois Advogados a conversar"

 

 



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