Os Maritain
Num mundo intelectual onde a ruptura com a fé e a perda do sentido pesavam, prometem-se mutuamente que acabariam com as suas vidas, se dentro dum ano não encontrassem uma solução para o grande desnorte em que se sentiam envolvidos.
Jacques e Raissa Maritain, um casal apaixonado, não encontram nos seus estudos da Sorbonne nada que os leve a encontrar essa saída - e é apenas quando lhe falam de Henri Bergson e começam a frequentar as suas aulas, no College de France, que iniciam a caminhada que os leva a vir a encontrar o "caminho para casa". Vêm a descobrir Deus, baptizam-se. Ela mais mística, contemplativa, dedicada à poesia; ele, por sua vez, um pensador de "primeira água" de quem o Papa Paulo VI disse quando morreu aos 90 anos: "perdemos um mestre na arte de pensar, de viver e de rezar".
Apostado em pensar o mundo contemporâneo com fundamentos sólidos, Jacques Maritain encontrou em São Tomás de Aquino - que fora bebera em Aristóteles, uma filosofia da realidade concreta, cuja existência está para além de nós mesmos, mas que se dá à nossa experiência e pode ser ordenada e pensada. Abrimo-nos à realidade utilizando os nossos sentidos e a nossa razão. O mundo rege-se por leis, está ordenado e podemos chegar à causa última da realidade, que é Deus.
Maritain vai repensar a filosofia tomista, adaptando-a aos grandes desafios que o mundo do séc. XX viveu e parece que ele próprio aí encontrou uma tábua de salvação para si, mas também para a Igreja. De facto, quanto à Igreja, ele foi um farol que ajudou em muito a ordenar a fé. Por exemplo em combater a corrente maurrasiana, depois com o seu contributo para o Concílio Vaticano II.
A sua obra personalista, formou uma via importantíssima de renovação espiritual, de que por exemplo o próprio Papa João Paulo II se dizia reconhecido a título pessoal, pois dela bebeu no seu período de formação no seminário.
Gosto muito dos filósofos realistas e da tradição aristotélica, que se funda no ser para chegar ao seu núcleo; contrariamente à filosofia platónica, que levou ao Idealismo e que despreza a matéria e a coisa concreta, para encontrar os chamados "arquétipos". E acho importantíssimo, como cristão, a ligação entre fé e razão, pois acredito - e isso claramente é pela via um tanto ou quanto mística que nos cabe a todos... que no concreto das coisas se esconde o mistério.
Embora não tenha aprofundado a sua obra e a sua vida, esta semana tem sido um prazer ler - e aprender com Maritain, com a sua vida fecunda, cheia de sabedoria. Em boa verdade, com o casal Maritain, pois o trabalho dele associa-se ao dela e viveram uma longa e rica vida matrimonial, alimentando comunidades de renovação espiritual, apoiando quem reconhecia neles um caminho rico de interpretação dos tempos e de busca e entrega. Foi o caso de artistas, como Chagal segundo creio. E porque nem sempre a vida de combate pela verdade foi fácil e não teve contrariedades, incompreensões e inimizades, encontraram nos EUA e no Canadá que os viesse a receber (viveram em Princeton) num período em que lhes fecharam portas em França, tendo assim filosofia tomista encontrado no Novo Mundo um veio de vigor.
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