Tratado de Tordesilhas, ou como dividir um melão?
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Rejeitado em Portugal, o genovês Colombo ofereceu então os seus préstimos aos Reis Católicos de Espanha. A Espanha, surgia então como realidade política una, com a integração de vários reinos, a que se somava a recente conquista de Granada aos sarracenos. Estava também então em condições de se virar para o mar, procurando acompanhar Portugal, que iniciara a sua expansão marítima em 1415, essencialmente descendo a costa ocidental africana.
O plano estratégico mais importante do nosso rei D. João II era o de dobrar o Cabo das Tormentas, no extremo sul do continente africano, e assim alcançar as tão desejadas Índias, de onde vinham as especiarias — mercadorias preciosas que, até então, eram negociadas pelos italianos com os árabes. Portugal pretendia, com isso, quebrar a lógica mediterrânica e eliminar os intermediários.
O conhecimento náutico acumulado secretamente pelos portugueses ao longo de mais de meio século conferia-lhes um claro ascendente sobre os espanhóis. Quando Colombo, convencido de ter chegado à Índia (daí chamar "índios" aos nativos), é desviado por uma tempestade no regresso da sua primeira viagem e aporta a Lisboa, em 1493, é recebido por D. João II. O encontro foi tenso: o rei considerava que Colombo teria entrado em territórios que, segundo o Tratado de Alcáçovas (1479), pertenciam à esfera de influência portuguesa. Esse acontecimento foi assim decisivo para Portugal e Espanha renegociarem os limites da sua expansão marítima, o que culminaria na assinatura do Tratado de Tordesilhas, a 7 de Junho de 1494.
Tordesilhas, localidade próxima da fronteira norte de Portugal, integrava o antigo reino de onde, três séculos antes, Portugal emergira como Estado independente, formalizado no Tratado de Zamora (1143). Era curioso: após o nascimento de Portugal a partir dum condado que equivalia a sensivelmente metade do território actual, o reino negociava agora, de igual para igual, a repartição do mundo desconhecido. Como se tivessem os dois reinos, como as duas crianças da pintura de Murillo que cortam um melão entre si...
O mar, que dera a independência em terra, conferia agora a Portugal um lugar destacadíssimo.
Duarte Pacheco Pereira, um dos principais negociadores portugueses, de quem a história gravou que "A experiência é a madre de todas as coisas", levava consigo conhecimentos náuticos e cartográficos que a parte espanhola desconhecia. Como sabemos, o grande marco da chegada à Índia foi a dobragem do Cabo das Tormentas, realizada por Bartolomeu Dias em 1488, rebatizado simbolicamente como "Cabo da Boa Esperança" — porque, ao ser ultrapassado, significava que a Índia estava ao alcance. Para o conseguir Dias teve de se afastar consideravelmente da costa africana, aproveitando os ventos alísios, que o empurravam na direcção do continente americano. Daí a suspeita de que, antes de Colombo ter chegado às Antilhas, os portugueses já tivessem avistado o Brasil, pois as suas navegações já se tinham adentrado no oceano. Por isso mesmo se explica que Pacheco Pereira e os negociadores portugueses tenham insistido que a linha divisória de Tordesilhas fosse traçada 370 léguas a oeste de Cabo Verde. Essa linha incluía uma boa parte do que viria a ser o Brasil. Com o tempo, os portugueses foram penetrando o interior do continente americano, desbravando terras e ampliando os seus domínios. Numa dessas campanhas, Pedro Teixeira subiu o rio Amazonas e os portugueses tomaram posse de uma extensão imensa de território. O problema é que esse território ficava além da linha do Tratado de Tordesilhas. Perante a contestação espanhola, foi assinado um novo tratado, que atribuiu a Portugal a Amazónia, mediante compensações (Tratado de Madrid).
Claro que os novos países marítimos emergentes não viam com bons olhos tratados como o de Tordesilhas. "Em que cláusula do testamento de Adão está escrito que o mundo foi dividido unicamente entre Portugal e Espanha?" Esta foi a expressão de indignação do rei Francisco I de França (1494-1547), contestando o Tratado de Tordesilhas.
Quando os holandeses se libertaram da Espanha, atacaram abertamente esse tratado e na altura em que Portugal estava sob domínio da coroa espanhola e a união dinástica entre os dois reinos teve as suas consequências no jogo das potências europeias. A União Ibérica durou de 1580 a 1640, ano em que os portugueses se rebelaram contra Espanha e o Duque de Bragança foi feito rei, iniciando uma nova dinastia portuguesa. Não só a Holanda, mas também a França lançou incursões na América, disputando territórios na região amazónica — a Guiana Francesa é ainda hoje testemunho disso. Na Baía, os confrontos com os franceses foram constantes. Para os holandeses, o monopólio ibérico sobre as rotas comerciais era inaceitável. Eles queriam aceder diretamente à Índia, sem mediação, e sem prestar contas ao Papa, cuja autoridade já não reconheciam. Foi nesse contexto que Hugo Grotius formulou a doutrina do Mare Liberum — "O mar é livre". Segundo esta visão, o oceano não pertence a ninguém, e os navios de todas as nações devem poder navegar livremente. Esta doutrina, que se opunha ao Mare Clausum defendido por Portugal e Espanha, viria a tornar-se a base do direito marítimo internacional moderno. Com o tempo, as convenções internacionais consagraram o princípio de que o alto-mar é internacional, mas reconheceram também águas territoriais, zonas económicas exclusivas e plataformas continentais. Graças às ilhas atlânticas (Madeira e Açores), Portugal possui hoje uma das maiores zonas económicas exclusivas da Europa. Tudo isto é herança directa daquele período das descobertas. Portugal é 95% de água.
Quadro: Murillo, duas crianças comendo um melão e uvas, 1645
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