Mundo da pós-verdade
Ontem, numa peça jurídica, escrevia que uma mentira repetida muitas vezes se torna entretanto verdade.
Vinha hoje a pensar no caminho para o escritório na amoralidade dum homem como Donald Trump: o que interessa é ser-se vencedor, preside a lei do mais forte. A América que era uma terra onde classicamente se distinguia o bem do mal, é agora uma terra da relatividade dos valores, onde cada um tem "a sua verdade".
A invasão ao Capitólio, incentivada por ele, foi um atentado gravíssimo (talvez o mais grave de que há memória desde a guerra civil) às instituições americanas. Os processos de inquéritos demonstraram à saciedade a sua passividade naquele dia 6 de Janeiro de 2021, em que aquela mole humana convocada por ele para se manifestar contra os resultados das eleições, se dirigiu ao Congresso. O poder tremeu e podia ter sido um banho de sangue.
Como uma das primeiras medidas após a sua tomada de posse há dias, resolve libertar os "reféns" presos...
Como chegámos aqui?
Talvez tenhamos que regressar quase um século atrás e olhar para palavras proféticas de Martin Heidegger em "Carta sobre o Humanismo" (1946) que apontava a crise do Humanismo, associada à derrocada da Metafísica. A técnica e os homens da ciência não tinham mais moral. Depois de Goethe, não era mais possível a um só homem conter o conhecimento e a ciência desligou-se da sabedoria. Para Heidegger "deve dedicar-se todo o cuidado à possibilidade de criar uma ética de carácter obrigatório, uma vez que o homem da técnica, entregue aos meios de comunicação de massa, somente pode ser levado a uma estabilidade segura, através de um recolhimento e ordenação do seu planear e agir como um todo (...)"
Uma sociedade da pós-verdade e das narrativas próprias demonstra a falência do sistema de educação. Há dois dias falava com um amigo meu, o Nuno, que me contava a história duma jovem de cerca de 20 anos que lhe tinha perguntado se os iraquianos eram "maus". Dizia-me ele que tal era um adjectivo visivelmente "infantil", para alguém que já se poderia considerar-se pré-adulto e que já votava. Lembrei-me também dum fim-de-semana passado com sobrinhos, onde o chatgpt faz o "trabalho de casa". Comentava com o Nuno também isso e rematou ele: "temos é que ter cuidado não com a Inteligência Artificial, mas com a diminuição da Inteligência Natural!" E o Nuno podia ter continuado: "senão, o mais seguro é ficarmos "reféns", que certamente nem Trump, nem Ventura libertarão!"
Se aceitarmos as histórias e entregarmos a nossa inteligência a máquinas, seremos um joguete nas mãos sabe-se lá de quem... e acreditaremos nas mentiras, que repetidas muitas vezes, se tornarão património da verdade.
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