Mensagens

Humanistas e a tolerância, um bravo a João Massano

Imagem
Thomas Morus poderia talvez com melhor acerto ser o padroeiro dos advogados portugueses do que São Ivo que ninguém verdadeiramente conhece... A história portuguesa tem nitidamente um deficit de pessoas corajosas, que se mantêm fiéis à suas convicções mais profundas e Thomas Morus é um arauto daquilo que representa o homem livre perante o poder. Era um homem competente, sensato, equilibrado. É claro que a piedade cristã era um atributo seu e, que na base daquilo que ele era, estava essa vida interior.  Quando digo que a história portuguesa tem um deficit de pessoas corajosas, refiro-me à fraqueza da sociedade civil, que soçobra perante os poderes públicos. O Estado infelizmente tem um peso desmesurado e assim acontece com os poderes públicos em geral. Vivemos muito tempo em ditadura, em que o "respeitinho era muito bonito" e antes disso podemos falar de episódios de perseguição como aconteceu com a Inquisição (podem não ter morrido muitas pessoas, mas deixou um clima de suspei...

Tratado de Tordesilhas, ou como dividir um melão?

Imagem
Em 1484 Cristóvão Colombo propôs ao rei português D. João II uma expedição à Índia, navegando para ocidente. O rei, consultando os seus conselheiros ouviu deles que os pressupostos de Colombo se baseavam em cálculos incorretos sobre o tamanho da Terra, concebidos por Ptolomeu. D. João II recusou-lhe, assim, o apoio. E com razão: a Terra era bastante maior do que Colombo supunha, o que tornava o percurso ocidental até à Índia bem mais longo do que pela rota do Cabo.  Rejeitado em Portugal, o genovês Colombo ofereceu então os seus préstimos aos Reis Católicos de Espanha. A Espanha, surgia então como realidade política una, com a integração de vários reinos, a que se somava a recente conquista de Granada aos sarracenos. Estava também então em condições de se virar para o mar, procurando acompanhar Portugal, que iniciara a sua expansão marítima em 1415, essencialmente descendo a costa ocidental africana.  O plano estratégico mais importante do nosso rei D. João II era o de dobrar ...

Jugglers

Imagem
Na 2.ª feira fui almoçar a casa de Alice Wohl, a Colares. Norte-americana, com uma larga carreira dedicada à história de arte, é uma pessoa que sempre me acolhe bem. Pediu-me para lhe falar do livro que tenho estado a escrever. Contei-lhe que começa em Londres, na National Gallery, com o quadro de Hans-Holbein "The Ambassadors" e que todo o tema do livro se foca no que dá vida e no que a mata. A personagem principal é um advogado, Frederico Pery. Vai lidar com uma questão muito relevante que é a depressão de advogados perto dele. Na história, a figura de Abraham Lincoln aparece a aconselhar Tom Sawyer. Curioso, hem?! O que é que dá vida - e o que é que a tira? Para que serve um advogado? Daremos vida?  O livro aborda Kafka e outros e como a literatura é importante para que consigamos perceber, através de histórias, o "drama" em que se passam as nossa vidas. O advogado serve para quê? Servirá para proteger o seu cliente do mau tempo.  Alice Wohl enviou-me um ...

"Deixa de sofrer"

Imagem
A história dum rapazinho irlandês inteligentíssimo (um tanto ou quanto asperger porém), cuja mãe atleta morrera a nadar numa piscina e que ele quer voltar a trazer à vida. Um casal desencantado, ela professora, uma mulher sensível. E como um projecto comunitário de construir um barco os põe no mesmo caminho, numa oficina de carpintaria na escola.  A Irlanda, país que conheci em dois Verões da minha juventude e onde fiz canoagem. O livro trouxe-me lembranças desse tempo em que nos aventurámos em "ponds" e "rivers", molhando-nos pelo menos até à altura da cintura, de sapatos de ténis enfiados em canoas. O livro tece um enredo em que se sente o pulsar das relações humanas, na sua complexidade, mas onde é possível ainda acreditar que pode haver proximidade e intimidade. Sempre presente está o que são as nossas ânsias e o sofrimento que cada um guarda. Quase se poderia dizer que as personagens se conhecem pelo seu sofrimento. Quando constroem o barco, de forma comunitári...

Promessas goradas

Imagem
Um pobre mecânico que vive num abarracado no Cercal do Alentejo, que nem água terá, cruza-se nas redes sociais com uma linda jovem americana, que pouco tempo depois promete vir ter com ele. O homem, que vive só e é triste, envia-lhe dinheiro, todo o pouco que tem para a ajudar nos custos da viagem.. Uma senhora, também do Cercal do Alentejo, assomada por dúvidas quanto ao que fazer na sua vida financeira pois a reforma é pouca e já não conseguem por razões de saúde trabalhar a terra, deposita uma pergunta nos comentário abertos de uma astróloga que costuma falar na televisão. A partir daí um diálogo se inicia, que se segue para uma série de rituais de magia, com indicações precisas e montantes a pagamento prescritos.  O mecânico no dia em que se senta no café da aldeia antes de ir buscar a sua amada ao aeroporto de Lisboa, com taxi à porta do café, mostra a fotografia da beldade: a rapariga não é mais do que um rosto produzido em IA - quem o diz é uma jovem, que bem sabe o que diz....

A Rainha Santa, 700 anos depois da sua peregrinação a Santiago de Compostela

Imagem
O que poderá uma santa do longínquo séc. XIV português dizer-nos 700 anos de depois? Exercício ousado para quem não é teólogo nem historiador… mas creio não dizer nenhuma asneira se disser que a vida na Idade Média era em geral bastante mais difícil do que é hoje e que vivemos num mundo muito diferente. Deslocamo-nos facilmente, comunicamos em tempo real para o outro lado do planeta, um número alargado de confortos e distrações está ao alcance da generalidade da população das nossas cidades. Confesso que sempre me causou alguma estranheza o tom com que é descrita a vida na “Salve Rainha”, oração atribuída ao monge Hermano Contracto, que a teria escrito por volta de 1050, no mosteiro de Reichenau, no Sacro Império Romano-Germânico: “(…) A Vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas. Eia, pois, advogada nossa, esses Vossos olhos misericordiosos a nós volvei. E, depois deste desterro, nos mostrai Jesus, bendito fruto do Vosso ventre (…)”. Todavia, se tivéssemos em conta qu...