Raúl Lino versus Modernismo

Sendo uma pessoa que gosta profundamente de Sintra, da sua Serra fecunda de espécies, do pituresco da sua arquitectura, não podia deixar de gostar também do arquitecto Raúl Lino. A atenção ao detalhe, a procura de inserção de cada uma das suas obras na envolvência, nos condicionantes do local e a procura de linhas bonitas e elegantes, mas também simples, em muito se podem associar ao próprio carácter de Sintra. Sintra é pituresca. Sintra não se casa muito bem com volumes grandes.
O debate que se lançou com a homenagem que a Gulbenkian quis fazer a esta figura da nossa arquitectura, ainda julgo na década 60, com tantos modernistas a se indignarem, reveste ainda muito interesse porque põe em confronto duas posições arquitectónicas distintas: uma arquitectura baseada no local, diria indutiva; uma arquitectura universal, diria dedutiva.
O exemplo que encontro duma arquitectura dedutiva é a Casa da Música no Porto: tal como metorito caído do espaço "aterra" com estrondo numa praça do Porto, ladeada por um conjunto de casas do séc. XVIII ou XIX numa frente de rua consolidada.
A concepção de Raúl Lino como artista, um quase artesão, que concebe as suas casas como humilde ligação à terra, aos elementos que ela fornece, a um fio condutor histórico, à paisagem, com recurso ao desenho, com encanto poético, como criador, encanta-me, confesso.
Em boa verdade, a Casa da Música é também uma obra de arte. Como é também Guggenheim em Bilbau. Obras de escultura. E nestes exemplos podemos apreciar esses edifícios como obras de arte, esteticamente.
O que se passou é que depois da 2.ª Guerra Mundial, acabaram os lugares isolados, acabou-se o tempo longo. Acabou-se um certo sentido de continuidade.
Se uma cidade abriu campo para o múltiplo, para o domínio das experiências, para o contraste, para a surpresa, e cada um nele procura encontrar o seu sentido, a arquitectura vem também criar estes efeitos, debaixo duma intencionalidade melhor ou pior expressa. A Casa da Música no Porto julgo que se inscreve nesta tendência.
Penso que a tal intencionalidade melhor ou pior expressa prende-se exactamente com a qualidade na arquitectura. Os grandes arquitectos foram pessoas que muito viajaram, compararam, viram, meditaram e experimentaram. Procuraram o critério. Procuraram a justificação. São sempre pessoas densas.
O Modernismo que chegou a Portugal e marcou - para nossa desgraça - os centros históricos das nossas cidades com aquelas agências da Caixa Geral de Depósitos, é talvez aquele Modernismo que se exprime precisamente pela falta de qualidade dos seus autores. Porque um modernista não pode deixar de pensar no impacto da sua obra numa praça como a Praça da República em Coimbra, uma praça que faz lembrar as praças italianas do Renascimento. Foi só porque lhe mancou essa perspectiva histórica, panorâmica da arquitectura, da arte, da cidade, que foi capaz de inscrever, com arrogância e exclusivismo, aquela agência abruptamente naquela praça. O mesmo se passa como o Hotel Tivoli de Sintra, ali ao lado do Palácio da Vila.
Penso que a rejeição de Raúl Lino dos Modernistas tinha uma certa razão de ser. O racionalismo que marcou o Séc. XX, não apenas na Arquitectura, mas nas próprias ciências humanas, "desenraizou" o homem. Raúl Lino era um humanista. 
Nos nossos dias, deixámos de crer tanto na razão e somos mais desconfiados da capacidade humana para uma vida ordeira... deixámos de crer como críamos em sistemas, em doutrinas. E valorizamos sobretudo uma busca, uma ascege. Uma busca e uma ascege que Raúl Lino procurou, com algum romantismo e espírito de encatamento, mas também com posições teimosas e pouco abertas. Sobretudo a sua crítica à evolução técnica, não podem ser aceites como posições, por muito que tenham de pertinente em certos casos.  Aí talvez denote uma desconfiança desmesurada na capacidade do homem em civilizar a técnica, em encontrar caminho por mais difícil que ele se vislumbre.







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