Utopia e Fidelidade


Enquanto passeava na Serra de Sintra pensei o que era para mim, em novo, a verdadeira utopia.

Eu e o meu primo Nuno Moser tínhamos um sonho: era o de nos tornarmos nos senhores de Sintra e de exercermos o domínio sobre a Serra, regulando as entradas, se necessário fosse, com uma portagem bem cara! Sintra uma espécie de San Marino ou Lichenstein!
Uma utopia infantil, certamente, mas não deixava de ser uma utopia.
Não o digo com pretensão, mas acho os sintrenses gente muito especial. Talvez mais reservados que o comum dos portugueses, com uma maior interioridade. Escrevi, certo dia, que a Serra de Sintra me deu uma certa melancolia, penso que é verdade.
Passeando pela Serra ou pela Vila todos os rostos se transformam, ninguém é igual na cidade, ou em Sintra. Há um quê que se transforma. Quando algo é bonito, Sintra torna ainda mais bonito. Talvez o mesmo aconteça em sítios muito bonitos como em Itália, em algumas das suas cidades ou no campo.
Tudo isto vinha a propósito do anúncio que li no Público sobre a homenagem que se vai fazer amanhã na Gulbenkian a Frei Bento Domingues e, um dos temas que se discutirá será justamente a questão da  utopia, que terá como oradores Isabel Renaud, a Isabel Moreira e Viriato Soromenho Marques. Não sei porque é Isabel Moreira convidada: não será certamente pela coerência dum percurso na luta por determinadas ideias nos chamados "temas fracturantes" (lembro-me dela durante todo o tempo da faculdade e defendia ideias bem diferentes; recordo-me de discussões na altura do referendo sobre o aborto, em que ela foi militante activa pelo não), nem pela relevância social das suas batalhas na minoração dos problemas mais relevantes na nossa sociedade (problemas bem mais agudos existem na nossa realidade) e a sua actuação é quase sempre a do ataque, mais do que propriamente a edificação duma utopia.

Para mim uma verdadeira utopia é aquela que é maior que a pessoa; a pessoa serve a utopia. A pessoa identifica-se com a utopia e vive em paz, em consciência, mesmo que perca. A utopia é o caminho trilhado, confirmado no Presente, motor e mola de propulsão da alma. Será miragem? Não - porque a utopia é a esperança - e é caminho, é realização, é fidelidade. Acaba por ser identidade.
Para ilustrar isto que digo, pense-se em Gonçalo Ribeiro Telles, um dos mais acabados utópicos portugueses. Muitos o acusam de irrealista, de não ter os pés assentes na terra. Contudo, a coerência do seu percurso - assim o vejo, embora não o conheça detalhadamente - desarma-nos e faz com que nos perguntemos se, afinal, não eramos nós todos que não tínhamos os pés assentes na terra.

Quando o "louco" acredita tanto nas suas ideias, a sua vida marca, nem que seja depois da sua passagem. Parece-me que as "loucuras" saudáveis de santos e homens de acção, que vivem naquilo que Henri Bergson caracteriza pelo "élan vital", são despidas das impurezas com que tantas vezes os homens rodeiam os seus actos.

O utopista tem sempre que amar este mundo e a sua vida. Por isso ele ao mesmo tempo que é manso, é violento. A sua fúria é por tanto amar este mundo e a sua vida.

Diz Agostinho da Silva (Sanderson & a Escola de Oundle, Editora Ulmeiro, 1990) e eu concordo: "Se fosse possível levar os homens a dispenderem na luta quotidiana, na paciência e na tenacidade, a energia que estão dispostos a gastar nas derrocadas tumultuosas, o mundo transformar-se-ia bem depresssa, sem grandes choques e sem grandes incertezas; de cada vez que um grupo suficientemente numeroso se decidiu a agir segundo estes princípios e não desistiu da empresa iniciada, as oposições foram batidas e uma ordem nova triunfou; este seria o processo ideal e o único em que aparece um acordo absoluto com a justiça e a razão".

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