Ser pelos valores, ou ser pelos interesses


Creio que vivemos profundamente desintegrados. Enquanto proclamamos a moral, continuamos a agir como se ela não existisse. No mundo das empresas, o mais das vezes reina apenas a procura do lucro, sendo que o bom profissional é aquele que tem um desempenho mais eficiente e que traz resultados. Nunca vemos uma empresa como uma unidade orgânica, enraizada na sociedade, com responsabilidades. O primado vai antes para o desempenho.

Neste Natal conversei um pouco com o João, que é médico. Estava eu a dizer-lhe que talvez como em nenhuma outra profissão se viva hoje no confronto entre a humanismo e o utilitarismo como na profissão médica: como poder avaliar o acto médico se o critério é o da eficiência? O que é a eficiência considerada em termos médicos? É curar a pessoa? É curar a dor? É curar a doença? No passado, se calhar, seria curar a pessoa. O médico era um alquimista. Era um sábio. 

Comecei por dizer que vivemos profundamente desintegrados. Vivemos assim porque em sociedade o que se nos pede é que desempenhemos o melhor possível a nossa profissão. E isso é bom, sem dúvida. Mas deveríamos fazê-lo por apelo a um bem maior que é bem da sociedade, ou a dos agregados humanos em que nos integramos. Por apelo ao bem comum.

Sinto isso muito também até na divisão tradicional entre homem e mulher. E ainda bem que isso está a mudar e que ao homem são dados novos papéis. Antes o homem tratava dos negócios; a mulher tratava do lar. Ora, enquanto o homem era muito mais ditado pela eficiência, a mulher era muito mais ditada pelo amor. Talvez aqui a orientação do homem muito mais pelos interesses e da mulher muito mais pelos valores. A mulher acometia-se muito mais a criar um ambiente, o homem muito mais em conseguir resultados.

É talvez pelo recurso de legitimação que a sociedade muda. É legítima a decisão parcelar, que se associa à visão, também ela parcelar, de ir apenas pela eficiência, que não vê o todo. Um passo civilizacional será dado quando tivermos maior consciência dos nossos actos. Quando conseguirmos perceber que a nossa acção se inscreve num devir e que tem consequências. Isso dar-nos-á sentido da responsabilidade. 

Isso talvez nos fará mais atentos aos valores; talvez menos aos interesses que são sempre mais imediatos. Quando nomeadamente tomarmos as empresas como organismos vivos, de cooperação. Quando olharmos menos para o nosso umbigo e olharmos mais para um bem maior.

Quadro: Quentin Metsys, "O Prestamista e a sua Mulher"




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