Dar vida

A matéria no contacto com o ar tem tendência a se decompôr. A vida biológica, na sua minúscula dimensão, não descortinável a olho nu, está em permanente mutação. O ciclo da vida é a história da constante decomposição da matéria e o seu renascimento em novas formas.

A vida é um pulsar dinâmico, um palpitar. Um balanço. Um frémito. A respiração, que alterna inspiração com expiração. Creio que tudo aquilo que nos faz bem corresponde a uma tendência que devemos cultivar. E este princípio de natureza biológica vale tanto para a orientação do que fazemos para nos proteger dos elementos da natureza que nos agridem, como o frio ou o calor, como também no que respeita à forma como nos relacionamos: aquilo que dá vida nas relações entre nós corresponde a destrinçar e a pesar o que é bom e o que é mau. Por essa razão, sempre apreciei nas pessoas o sorriso, que é o convite ao outro e nunca gostei de pessoas carrancudas. Ontem, indo sentado no banco de trás dum táxi, cruzei-me com uma traseunte desconhecida na rua e trocámos um curto olhar, abrindo o sorriso um ao outro. Já alguém dizia que a curva mais bonita do corpo humano é o sorriso.
O mundo dos afectos é o húmus onde nasce a vida relacional. A nossa profunda necessidade do outro; de nos darmos ao outro, porque somos sempre carência e, nessa relação o outro completa-nos, podendo a nossa presença e toque ser uma ponte para o outro se tornar também mais pessoa.
Alma e corpo, duas dimensões que se intricam intimamente na relação com o outro, são como dois fios que se entrelaçam: aprender a amar nas nossas relações mais íntimas é pôr esses dois fios envolvidos, em diálogo fecundo, num contínuum. Isto releva para relações amorosas estáveis e, para lá chegarmos, quantas tentativas de construir, e quantos arranjos que tivemos que fazer nas nossas relações!

A vida não pára, o mundo dos afectos é essa vida biológica que temos que tecer como filigrana, alimentando-a das coisas boas. Mas tal como na natureza, temos que abrir espaço para a vida, dando tempo para ela brotar e deixar-nos surpreender perante as surpresas que no jardim podem surgir. Há que deixar crescer, não podemos ser como o jardineiro que antes de ver o que lá vem, temeroso de que se trate de joio, corta o trigo mal o caule nasce.

Isto para mim é dar vida - muito diferente duma atitude moralista e desconfiada, recheada de temor pelo pecado, quantas vezes tão pouco sorridente e amorosa - estarmos abertos à novidade, não catalogando e querendo fazer um jardim todo arrumadinho e todo certinho, em que na realidade tudo está tão abafado que mal respiramos.

Queremos fazer o nosso jardim, com a nossa criatividade ou acomodar-nos a fazer o jardim que outros conceberam para nós, que é muito bonito para fora mas onde não gostamos verdadeiramente de estar?! 




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