Fred Pery

Quem disse que na vida, não escolhemos?!

Conheci gente que em criança era capaz de grandes rasgos, de frases certeiras e desconcertantes. Um dia essa gente cresceu e tornou-se gente convencional, sem graça e sem sal. Não foi assim com Fred Pery (com "y" e não com dois "r", denote-se). 

Não sei aliás o que fez com que ele guardasse para si essa liberdade, mas penso não estar muito enganado se disser que era quase por uma questão estética - que ele escolheu ser assim, se bem que, por boa educação, por vezes reservasse para si ou para os seus amigos alguns comentários... Na verdade, sempre teve muitos amigos e adorava brincar com eles, mesmo os de fora topassem por vezes um riso torcista, que os deixava sobretudo irritados, por não pertencerem a esse círculo bem disposto e ... relativamente fechado.

Era um tipo alto, direito, se não fosse advogado, seria tribuno na Assembleia da República, daqueles cuja oratória e verve afinada tornava mais divertidas aquelas amiúde sensaboronas sessões parlamentares, cheias de "Excelências" e "disse". 

O seu olhar que perscruta com sageza a falsidade do discurso, ou o ridículo da pose, faz-se num tempo de suspensão, o tempo parece que pára. Pragmático, ia direito ao assunto, sem porém o "despachar",++ como quem debita, sem alma, o que tem para dizer. Preparava bem a exposição no Tribunal, não deixava de se virar para o seu intelocutor e de lhe prender a atenção, olhando-o directamente nos olhos. E começava então numa cadência, naquilo que mais parecia a dança da serpente encantada.

Dia a seguir ao outro, ficava espantado com a diversidade de sujeitos que com ele se cruzavam: todos tinham uma história, nasceram de alguém e pretendiam também contar algo ao mundo. Uns eram sensatos, outros cheios de si, outros humildes e rebaixados pela vida, outros padeciam de problemas de carácter. 

Adoraria compreender a razão de certas reacções; muitas vezes percebia; podia ser simplesmente porque seriam pessoas baixas - o que a falta de altura faz a certas pessoas é um assunto que daria um tratado, desde Napoleão a Sarkosy, para não falar em Marques Mendes, alguns deles o tipo de pessoa que tipicamente teria sido gozado na escola. Essa característica fazia com que hoje usassem do seu poder de forma mesquinha, para apoucar os outros - exactamente da mesma maneira que no passado tinha acontecido com elas. Normalmente, para essas pessoas, usava de grande argúcia. Tratava-os bem, mas sabia que era preciso ser muito prudente... e adorava, não sem uma pitada de graça, de lhes arranjar alcunhas! 

Quando certo dia lhe disseram, com ar importante e sério, que o problema de Portugal é que tinha poucos licenciados, riu-se. Será?! Ou será que temos muitos licenciados que não teriam resolvido - isso sim, a suas dúvidas existenciais? Que estão colocados em sítios de que não gostam, aturando chefes idiotas, colegas que se encostam na incompetência... enfim, será mesmo que o problema de Portugal é que há poucos licenciados?! Mais grave é talvez perceber que entre os licenciados não se lê um livro... ou não se sabe estar à mesa...

Adorava viver, porque era um apaixonado por conhecer as coisas e as pessoas, perceber de que elas são feitas, donde vêm, porque se comportam desta ou daquela forma.

Importante dizer-se que era conhecido o seu jeitinho de mãos. Onde tocava estragava, um anti-Midas... normalmente era porque gostava de conhecer como as coisas funcionava que as abria, mas depois algo se partia e reconstruir tudo de novo era mais difícil. Havia um qualquer desconcerto nas suas mãos. 

Um dos exercícios na tropa era abrir, desmontar e montar uma G3. Desmontar não representava qualquer problema, agora montar aí, isso sim, havia um grande problema.

A sua mãe sabia disso e não recorria a ela para lhe pedir para arranjar o que quer que seja.

Certo dia, era novo, um adolescente, estava em casa de amigos e pediram-lhe que ajudasse a transportar uns móveis de um sítio para outro. O avô da família tinha morrido e os móveis chegaram do estrangeiro, de avião.

O rapaz, voluntarista e generoso, ofereceu-se para ajudar. Havia um grande quadro para levar. "Talvez esse seja grande de mais para ti". "Deixe estar que eu consigo". Resultado: quando transportava esse grande quadro à sua frente, uma mão de cada lado e sem ver praticamente o caminho à sua frente, tropeçou num pequeno bucho à sua frente e estatelou-se no chão! O quadro ficou com um grande rombo no meio! Tinha vindo de Paris de avião, atravessara longas distâncias e sucumbira às mãos de um trasportador "jeitoso" de mãos.

O humor que criou começou exactamente com o seu pai, o mesmo que às páginas tantas o começou por tratar por Dr. Peripatético...









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