Um importante debate - educação vs. fiscalidade

Ontem, dia 28, o programa "Circulatura do Quadrado" foi no Palácio de Belém, com o Presidente da República como anfitrião de José Pacheco Pereira, António Lobo Xavier e Ana Catarina Mendes.

Numa das suas intervenções, já o programa ia a mais de meio, José Pacheco Pereira coloca uma questão pertinente que me fez pensar: refere as ideias da Iniciativa Liberal, nomeadamente que o que há que fazer sobretudo é diminuir o peso do Estado, engordado pelos governos do PS e do PSD, aquilo que seria um certo modo "socialista". Segundo ele, a questão não estaria aí: estaria antes nas qualificações da população portuguesa. Não crescemos menos que a República Checa porque temos uma fiscalidade má; crescemos menos porque as qualificações nesse, e noutros estados da Europa de Leste que nos passaram à frente, são melhores que as nossas. Pacheco Pereira referiu também o protestantismo.

Concordo que a massa cinzenta é talvez o maior "asset" das economias pujantes. Pense-se na Holanda ou em Israel.

Os centros de Research & Development que Portugal atrai (e há alguns) têm que ver com técnicos altamente preparados que as nossas faculdades de engenharia formam; e poderíamos talvez extrapolar e dizer outro-tanto que, na Irlanda, o que atrai as multinacionais internacionais como a Google ou a Facebook serão as altas qualificações dos irlandeses?! É difícil de dizer. Conheço portugueses que lá trabalham, não foi o sistema educativo irlandês que os preparou... 

Certamente que o problema não pode ser colocado desta forma dicotómica.

No entanto, se formos a ver, porque razão os países católicos são menos desenvolvidos em geral que os países protestantes? Uma explicação importante, que não a única, é que a maior parte dos países protestantes tiveram saltos de desenvolvimento muito expressivos porque promoveram a literacia por razões eminentemente religiosas: sem a intermediação do clero, cada crente relaciona-se directamente com Deus e lê a Sagrada Escritura. Isto aconteceu no séc. XVI.

Segundo Tiago Cabral Bandeira https://blogdoibre.fgv.br/posts/os-500-anos-da-reforma-protestante-weber-tinha-razao "À primeira vista, as diferenças entre os países que aderiram à Reforma Protestante e os que não aderiram parecem encontrar respaldo em diversos indicadores estatísticos. Nações de origem protestantes (tais como EUA, Suécia, Suíça, Dinamarca e Reino Unido) tendem a apresentar indicadores sociais de educação, renda per capita e IDH superiores em média a países de predominância católica (Portugal, Espanha, Itália, Irlanda e Polônia). Os países católicos também verificaram historicamente um desenvolvimento industrial tardio em comparação aos protestantes, além de menor grau médio de escolarização (a taxa de alfabetização era de 32% na Itália em 1870, contra 76% no Reino Unido no mesmo período".

A explicação de questões sociológicas é naturalmente complexa e não podemos fazer simplificações. Por exemplo, se atentarmos na razão porque países como o Brasil têm níveis de desenvolvimento baixos, apesar da sua riqueza de recursos, não podemos deixar de pensar sobretudo na educação, mas aí pouco terá que ver com o factor "catolicismo" - e os brasileiros têm um pouco o hábito de achar que se tivesses sido colonizados pelos ingleses, que seriam muito diferentes. Basta atentar por exemplo que os estados do sul dos EUA estão no fim da lista no ranking dos estados em termos educacionais (https://www.usnews.com/news/best-states/rankings/education). Penso que nesses casos terá que ver directamente com a questão da escravatura, que deixou a maior parte da população analfabeta: p. e. no Brasil a proporção de mão escrava para senhores era de 200/1.  

Penso que não estarei muito longe da verdade quando digo que vivo em certa medida numa "bolha" nas minhas relações profissionais. 

No entanto, quando por alguma razão temos que tratar com pessoas sem grande educação formal - pode ser um canalizador ou um electricista, vemos que há uma série de aspectos, a começar pela sua capacidade de organização e sistematização, que falha por completo. Dizem que vêm e depois não vêm..., quando compreende processos longos de reparação de uma canalização por exemplo (como eu tive recentemente...) é o "cabo dos trabalhos" para gerir horários, comunicar com a pessoa, que não atende telefones, que se ofende se se manda mensagens, etc...   

Um dos aspectos que a escola deveria estar mais atenta é na criação de competências de gestão de processos. Na realidade é extremamente importante saber programar, calendarizar, sistematizar, comunicar, gerir dificuldades e imprevistos. 

Percebemos que muitas coisas falham porque quem trabalha não tem uma noção do todo, apenas acha que é uma peça na engrenagem - a "peça". E depois quando uma qualquer coisa falha, se não for no seu sector, a "coisa" acaba mesmo por falhar. Por isso temos também muita burocracia. Porque por vezes ninguém é responsável. E assim se consomem muito tempo e recursos.

É claro que a digitalização veio ajudar muitos processos, mas geralmente aqueles que não exigem a participação humana ou que se reduzem a processos não muito exigentes. É por exemplo o caso das conservatórias ou das Finanças. O problema é quando são processos longos como apresentar pedidos de licenciamento, ou uma reclamação, que requerem uma intervenção humana mais longa.

O anterior Ministro da Educação, Nuno Crato, talvez por questões financeiras, acabou na escola com as chamadas "áreas curriculares não disciplinares", entre a qual figurava "área de projecto": exigia 2 docentes e talvez pudesse ser demasiado caro em tempos de troika. Admito que sim, que fosse eventualmente uma opção que os projectos fossem uma forma de trabalhar em cada uma das disciplinas e não fosse necessário ter a um específico espaço "área de projecto". Realmente, como professor que fui, por vezes confesso que senti alguma dificuldade a trabalhar em "área de projecto" naquilo que me parecia uma abordagem um pouco "etérea". Mas estas coisas são importantes.

O que poderemos em todo o caso para aumentar os níveis de qualificação em Portugal?   

Note-se por exemplo que em 2016 (os dados mais recentes sobre a leitura no nosso país), 61% dos inquiridos isse que não leu um único livro esse ano...

Agora, voltando à questão inicial que José Pacheco Pereira colocou. E então a fiscalidade?!

É mais do que evidente que uma carga fiscal elevada desincentiva a produtividade: quem poderia trabalhar mais, acaba por desinvestir.

Em Portugal como se discutiu não há muito tempo, a classe média paga já escalões de IRS como se fosse rica. Quem trabalha por conta de outrem não tem maneira de fugir e isto cria grandes injustiças. Há grilhões que são difíceis de tirar e, se somarmos a fiscalidade sucessiva de impostos directos, com indirectos e a parafiscalidade - e aqui incluo multas das Finanças, de trânsito, etc, etc, vivemos com um estado verdadeiramente confiscatório. Embora isto seja muito grave, e podemos discutir os efeitos económicos que traz nomeadamente de podermos ter um universo de trabalhadores pouco dinâmico e inovador, não será aqui a razão directa para o nosso atraso económico.

A taxa de IRC é contudo já bem diferente - tem um efeito directo nos níveis de competitividade da nossa economia, podemos é discutir se poderia baixar ou não.

Quando nos comparamos com os países de fiscalidade dos 15% certamente que estamos em desvantagem competitiva e este é um campeonato importante: a competitividade fiscal da nossa economia. No entanto, também é verdade que muitas das grande empresas que vêm para Portugal e cá fazem grandes investimentos (Auto-Europa por ex.), negoceiam as taxas de IRC, pelo que neste debate não nos devemos iludir com soluções milagrosas...





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