Inhaca em Lisboa

Hoje ao jantar apeteceu-me dar uma volta e acabei sentado a uma mesa, só, no Restaurante "Inhaca" - Portas de Santo Antão.

300 gramas de camarão bem cozido; ao meu lado dois africanos; umas mesas à frente, um português já depois dos seus 65 anos jantava, bem disposto, com o que só podia ser uma prostituta, de origem africana. Naquele rodopio de gente e vendedores ambulantes, chegou um indiano a vender rosas - parou junto ao português, e este perguntou à senhora negra se ela queria umas flores. Risos para cá, risos para lá, a moça hesitou, enquanto o homem, um tanto ou quanto displicente perguntava: "queres, ou não queres?!" A discrição feminina não lhe permitia dizer que sim - e o homem lá mandou o vendedor embora. Pensei cá para mim: "é tipicamente o construtor civil português que vai para Luanda e arranja uma pretinha". 

Outros vendedores ambulantes circundaram. Um senegalês vem-me oferecer produtos de artesanato em madeira.

Um pratinho de bom presunto, um vinho verde Alvarinho, camarões excelentes. De seguida, depois de perceber, por um qualquer intercâmbio que tiveram com o empregado, não pude resistir a perguntar aos vizinhos da mesa ao lado: - Os Senhores são moçambicanos?! E toda uma conversa começou aí. A boa disposição do povo moçambicano foi o início da conversa.

Dois homens relativamente jovens muito simpáticos, de conversa interessante. Trocámos pontos de vista, experiências. O Walter, aquele que falava mais, era uma pessoa viajada. Perguntei-lhe por Moçambique. "Não conheço, adorava conhecer". Disse-me ele: "um país que só de costa são 2.400 km". Falou-me da Ilha de Moçambique, a natureza, p.e. o Kruger Park era a não mais de 200 km de Maputo.

Falámos das diferenças do povo de Angola com o de Moçambique. "Pois é, dinheiro fácil", respondeu-me o Lúcio. Rimo-nos um bocado com essa caricatura de maneiras de ser dos diferentes povos. Elogiei a simpatia dos moçambicanos. Tentei puxar por eles, pedir para me falarem do país deles. Uma população jovem, certamente cheia de energia disse-lhes eu ("o contrário de Portugal", confessei-lhes, com uma pirâmide demográfica invertida).

Falámos sobre colonialismo, sobre guerra, sobre a independência de Moçambique, que fará no dia 25 de Junho 48 anos. Disseram-me que a África de Sul era um grande exemplo de avanço - toda a diferença para Moçambique, e isso foi a marca dos diferentes povos que os colonizaram. Entretanto, um grupo de capoeira da mulatos brasileiros forma-se em fila na calçada e entre batuques, desfilam as suas proezas acrobáticas, com saltos mortais e piruetas. Os meus vizinhos comentam: "a nossa boa disposição vê-se neles".  

Pedi-lhes para serem sinceros comigo. Falaram-me do chamado "Massacre de Mueda". Nunca tinha ouvido e, chegado a casa, fui pesquisar: as versões não coincidem (umas fontes, apontam meio milhar de mortos/outras, as mais fiáveis, cerca de quinze).  É sempre assim na história. Devemos guardar é o respeito - é a humanidade que nos liga, não vale a pena contestar as narrativas. Eles disseram-me que já tinham vindo cerca de 10 vezes a Portugal, é uma ligação grande segundo eles. Conheciam Lisboa e o Porto, Fátima e outros locais, sobretudo a norte de Lisboa, segundo percebi. Com a deixa de Fátima e uma ou outra ideia que tínhamos trocado sobre as viagens papais a Moçambique, virei-me para o Walter e disse-lhe que já tinhamos algo em comum, que era a fé. 

"E então a literatura, como é? Podem falar-me dela?" O Lúcio falou-me de Mia Couto, embora o Walter, formado em Sociologia (certamente marxista, estou mesmo a ver na Universidade Eduardo Mondlane o que não deve ser a orientação científica?...) não mostrasse grande entusiasmo. Não acusei o toque, mas pensei cá para mim (Mia Couto, um branco... não é certamente a primeira opção para quem foi educado em Sociologia e certamente muito industriado no anti-colonialismo; Walter preferiu falar-me antes de Paulina Chiziane, a escritora que ganhou o prémio Camões 2023.

Inhaca é uma ilha frente a Maputo, consta que é muito bonita. Mas esta Inhaca onde estive é em Lisboa, ali nas Portas de Santo Antão. Tem um bife da vazia que o empregado me disse ser tão bom quanto o do Gambrinus, por sinal, mesmo em frente. Recomendei aos meus vizinhos da mesa ao lado uma ida ao Panorama no Guincho e uma visita ao Palácio da Pena. Achei pobre que de Lisboa conhecessem apenas o Estádio da Luz, o Colombo e pouco mais. Trocámos números de telefone e, quem sabe um dia, nos encontremos no seu lindo Moçambique...

 


  

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