O Eu interior

Gostava de erradicar o egoísmo no mundo, a falta de amor, as visões tacanhas, os autoritarismos estúpidos. Somos tão marcados por isso, tão condicionados nas nossas disposições interiores.

Nos últimos dias, voltei a ler de James Martin, sj, o livro "Torna-te aquilo que és". Fala nele de Thomas Merton e de Henri Nouwen, dois autores espirituais que procuraram descobrir-se a si próprios e tentar fundamentar uma vida de e em liberdade.

A procura do eu interior em Thomas Merton é uma via espiritual que nos liberta dos condicionamentos exteriores, das imposições do parecer, por exemplo. Quem consegue chegar a esse eu interior e fazê-lo viver (um eu puro que espera o amor em Deus), torna-se impassível aos desmandos do mundo. Thomas Merton não facilita o caminho e não nos apresenta a sua espiritualidade como um pronto-a-comer, ou um pronto-a-vestir, um qualquer manual com instruções. Numa vida atribulada que foi a sua, viajada e com muitíssimas leituras, encontros e, de certeza, também desencontros, sofrimentos e perdas, Merton foi um homem de intensa busca. Não foi uma vida linear, andou sempre à procura e, certamente, muitas vezes andou à deriva. Encanta-nos o resultado desse procurar, a sua capacidade de pensar o que é o do foro mais recôndito de nós mesmos, articulando o que foi lendo e experimentando das várias tradições espirituais, sejam elas do Ocidente ou do Oriente.

Infelizmente, como dizia Thomas Merton, vivemos no Ocidente - o que creio que se mantém hoje ainda -  numa cultura que não fomenta a vida/via saborosa e turculenta que a descoberta dos nossos eus interiores nos permitiria, pelo que essa busca pelo eu interior requer que estejamos em contra-corrente. É mais difícil. Vivemos a cultura do movimento, exteriorizados, falta-nos o silêncio interior.

No princípio dum vídeo que vi no youtube (https://www.youtube.com/watch?v=3t2T_rb_MNA), um texto de Thomas Merton diz-nos que hoje transmitimos e transportamos mais as visões do Inferno que atravessam as nossas vidas, que o Paraíso que poderia também estar nos nossos interiores. É mesmo assim: estamos fragmentados em mil e um pedaços, incapazes de nos apresentarmos como seres unos. O que dizemos, o que pensamos, não somos nós que o dizemos ou pensamos, é antes um eco de muitas vozes, uma cacofonia terrível onde os nossos egos magoados precisam quase sempre de ter a última palavra. 

Como podemos ser então unos e integrados? Boa pergunta... Devemos ter o insight necessário para sê-lo e sermos consequentes, depende muito de nós. Porque esses egoísmos, as faltas de amor, as visões tacanhas, ou os autoritarismos estúpidos de que falava no início, resultam precisamente da vitória dos falsos eus que esmagam tanto, enquanto o nosso eu interior, o nosso verdadeiro eu, não pede muito. Mas pede que o deixemos respirar, que o deixemos existir. E para isso acontecer, deve ser alimentado e vigiado. É uma criança que pede atenção e tempo. É o Principezinho de Saint-Exupéry que, inadvertidamente, nos exorta a desenhar um carneiro - e que achava tão estúpidos aqueles adultos dos planetas que ia visitando... 

O Principezinho não pede gritaria, pede antes que fiquemos assim detidos com ele... assim de maneira simples e tranquila...trannnquuuuiillla...


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