Une voix, un destin

Tenho lido e visto várias coisas sobre Carl Jung, um homem cuja vida e trabalho deram muitos e bons frutos. Trabalhou com Freud, mas dele veio a divergir, não concordando com o peso excessivo dado à infância. Nele, embora o subconsciente jogue um lugar muito relevante, o trabalho de interpretação do mundo interior  não tem apenas a ver com o passado, como também com os nossos desejos profundos. Ao contrário de Freud, não estamos irremediavelmente condicionados por uma realidade imposta, moldada pela relação na infância com os nossos progenitores. Ela é sem dúvida importante, mas em Jung há uma ampliação daquilo que somos e, aquilo que desejamos ser e como nos projectamos no futuro, são elementos que entram nesta equação. 

O processo de "individuação" é colocar-nos a caminho, vivendo no quotidiano das nossas circunstâncias, dando lugar às nossas vozes interiores e seguindo as nossas inclinações, num processo de descoberta aberto e dinâmico. Precisamos de estar connosco próprios para deslindar essa estrutura interior complexa, para assim potenciar aquilo que é a nossa realidade única e irrepetível.

A propósito do postulado de Jung de que a vida é em grande parte resultado do que projectamos para futuro, vi há pouco tempo um documentário sobre a vida de Céline Dion, justamente intitulado "Une voix, un destin". Mulher de uma voz extraordinária - são dela melodias que nos ficam no ouvido, creio que ela personifica muito bem o que Jung escreveu, pois soube, com excepcionalidade, seguir a sua voz interior: nascida numa família pobre no Canadá no meio de 14 irmãos, manifestou talento desde pequena para a música. Mas considerava-se muito feia, não tinha uma boa relação com o seu corpo. Com uma tenacidade incrível, mas guardando a ternura e a simplicidade, moldou uma carreira que a catapultou ao estrelato mundial, tendo vendido mais de 250 milhões de álbuns e sendo hoje a estrela francófona mais conhecida internacionalmente. Para lá chegar, acometeu-se a uma disciplina espartana, fez exercício, emagreceu, torneou um corpo que lhe deu mais confiança e, embora na verdade não bonita, ao pisar os palcos a sua presença é magnética. Neste documentário, acompanhamos a sua vida, a relação de amor que teve com o seu marido, uma relação de grande cumplicidade. Aquela menina que teve para não nascer (a sua mãe quase que cometeu um aborto), foi seguindo as suas vozes interiores, com grande honestidade, mas também exigência. E tivemos o privilégio de a ouvir, cantando e encantando. Foi uma carreira que se foi fazendo, onde se jogou a questão da autenticidade. Para se fazer valer daquilo que lhe era particular e próprio, foi apurando um modo particular de ser e estar - pois nos inícios também seguiu modas e convenções, até delas se libertar. Céline Dion está entretanto muito doente. Já deu muito ao mundo - uma marca pessoal muito forte - e faço votos para que consiga viver com paz este período difícil.

Gostar de Céline Dion pode ser piroso, assim como colocar a fotografia em baixo, mas estamos mesmo a falar de uma pessoa especial, que soube ser simples e humilde apesar do seu enorme sucesso. E ninguém pode ficar indiferente à sua voz. Tanto a exterior... como aquela que lhe vem de dentro.


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