Escrever

 

Diz o Pe. Mário Azevedo da Igreja de S. Domingos que eu serei um escritor.

Ontem tive a imensa sorte de me lembrar que na Livraria Bertrand aqui ao lado de casa se iria começar a reunir um grupo para falar de livros. Fui lá espreitar e, de facto, consegui ver pela porta que se sentava um  grupo à volta de uma mesa. Entrei, a conversa já se tinha iniciado há algum tempo... sentei-me por perto, até que o grupo me ganhou e tomei coragem de avançar para a ele me juntar. Acabei por ouvir várias pessoas, "mavericks" como eu, pessoas que tiveram a ousadia de aceitar o desafio de falarem sobre livros com desconhecidos. Penso que apenas uma das pessoas era portuguesa; havia pelo menos dois brasileiros, um cubano, uma francesa, uma russa, dois colombianos, um norte-americano e um casal simpático com uma filha pequena, que não cheguei a perceber donde vinham porque saíram mais cedo. A conversa fazia-se em inglês. Também me apresentei.

Nas últimas semanas tenho ouvido muitas palestras no youtube no "cinema" de minha casa e lido muitas coisas. Desde Novembro que estou fascinado com Carl Jung e as conferências a que tenho assistido são de um tal de James Hollis, um psicólogo norte-americano que de forma muito interessante fala no que é a nossa vida e no "processo de individuação": tornar-nos sempre cada vez mais nós próprios.

Que marca é a nossa? Porque viemos a este mundo? O grande Pe. Pedro Arrupe dizia que quisesse Deus que não passemos por este mundo sem deixar a nossa marca; isto não é "presunçoso", porque não se trata necessariamente de fazer algo notável. É apenas de fazermos ouvir a nossa voz, onde achamos que ela se deve ouvir (pode ser no silêncio duma casa, ou fazendo algo na praça pública, cada um sabe onde será).

Utilizar bem o tempo que temos. Ontem pensava como as 24 horas do dia são talvez poucas para tudo o que queremos fazer. Por isso, temos que criar prioridades e concentrar-nos naquilo que mais acreditamos que é o nosso papel.

Tenho estado apostado neste trabalho de ficção que estou a criar sobre um advogado (Frederico Pery), a reflectir muito sobre como alguém poderia ser, de alguma forma, um reformador da profissão. E nisto foco sobretudo, de que forma poderemos olhar para a profissão como alguma coisa em que as pessoas se empenhem, por ser uma profissão muito importante e de grande responsabilidade. Advogado, "gado" para pastar na pradaria, gordo e preguiçoso?! NÃO OBRIGADO! Alguém para servir?! Sem dúvida, creio que antes de mais, um advogado pode ser alguém que nos ajuda a viver a nossa vida - e de uma maneira melhor. É alguém que estudou e aprendeu para ser companheiro de vida. "Antes da tomada de qualquer decisão importante irei falar com um advogado" -  deveria ser o pensamento de qualquer pessoa. A própria origem etimológica da palavra "advogado" é "ad auxilium vocatus", o chamado para ajudar.  Um advogado assim poderá ser um sábio, que domina não apenas a técnica, mas que sabe perceber também as pessoas e as circunstâncias. Afinal a melhor definição de advogado é a da pessoa que tem jeito para lidar com pessoas e para resolver problemas complexos.

Por isso, se em comparação com 1960, temos actualmente muito mais advogados (o Pordata diz que eram 1964 nessa altura, agora somos 35.432, isto é 1 advogado para cada 285 cidadãos), creio que a sociedade na altura era menos conflituosa (era mais paroquial), também não deixa de ser verdade que pode ter havido uma diminuição das condições para o exercício da profissão, nomeadamente fruto da concorrência entre colegas. Somos dos países da Europa com mais advogados per capita. Mas na verdade, termos mais advogados - se tomarmos isso como algo que poderá ser termos pessoas mais qualificadas do ponto de vista do direito, tal poderá significar que poderemos ter bastantes "pilares comunitários". Seria necessário porém que se reflectisse mais no que pode ser a profissão actualmente, quais os seus grandes desafios. Um deles parece-me evidente e assemelha-se a um engenheiro civil: um advogado é sempre alguém que pode "fazer pontes", por exemplo entre os cidadãos e a Administração Pública. Conhecer como se exerce hoje a profissão é algo que seria importante fazer-se. Parece que existe algum mal estar na profissão, situações de depressão/burnout por exemplo.

Creio que o que falta é muito este sentido, compreendermos que podemos ser importantes. Darmos importância àquilo que fazemos tem por efeito que aumentemos a nossa auto-estima. Como eu dizia a alguém recentemente um advogado é uma espécie de "cavaleiro da távola redonda". Lembro-me duma vez contarem-me a história de que o Papa João Paulo II quis dignificar um Pe. que estava desviado dos bons caminhos e lhe pediu para o confessar a ele. Ou seja, tentou reescrever a vida daquele sacerdote, dar-lhe nota da importância que o seu ministério tinha e da confiança que Deus depositava nele. 

Podemos acreditar nas coisas ou não. Timothy Radcliffe, OP, fala da importância da "hilaritas" nos nossos dias: o entusiasmo. Ontem também pensava que o bom-humor é essencial. Por isso, na história de Frederico Pery o que me interessa fazer é desmistificar as coisas. Tornar o difícil fácil. Como se faz isso? Há que estar atento, perceber que tudo são histórias humanas. Que na vida, tudo é condicionado por pessoas, pela sua natureza, pela sua vontade, pelas suas qualidades e defeitos. Nesse sentido, a frustração é algo que devemos reduzir, porque conseguimos perceber os caminhos que tomamos e o que é esperado: se metemos pelo IC19 em dia de ponta, é expectável que iremos demorar.

Dizia ao grupo ontem na Bertrand que estava a ler sobre o "sentido". Que procurava coisas em Jung, ou que lia filósofos como Paul Ricoeur. Todos eles falam de facto nestas coisas.

Ora, Frederico Pery tem o condão de conseguir inspirar os outros à mudança. E é isso que me parece importante: haver líderes inspiradores. Alguém que se coloque do lado dos advogados e que lhes diga: vocês são importantes! 

Como dizia James Hollis, escrever pode ser difícil, roubar-nos tempo para outras coisas. Mas se isso for aquilo para que somos chamados, valerá a pena. 

Será importante é dedicar no nosso dia tempo para a escrita. Poderá ser de manhã? Porque não?!

 




 

 

 

 

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