Humanistas e a tolerância, um bravo a João Massano
Thomas Morus poderia talvez com melhor acerto ser o padroeiro dos advogados portugueses do que São Ivo que ninguém verdadeiramente conhece...
A história portuguesa tem nitidamente um deficit de pessoas corajosas, que se mantêm fiéis à suas convicções mais profundas e Thomas Morus é um arauto daquilo que representa o homem livre perante o poder. Era um homem competente, sensato, equilibrado. É claro que a piedade cristã era um atributo seu e, que na base daquilo que ele era, estava essa vida interior.
Quando digo que a história portuguesa tem um deficit de pessoas corajosas, refiro-me à fraqueza da sociedade civil, que soçobra perante os poderes públicos. O Estado infelizmente tem um peso desmesurado e assim acontece com os poderes públicos em geral. Vivemos muito tempo em ditadura, em que o "respeitinho era muito bonito" e antes disso podemos falar de episódios de perseguição como aconteceu com a Inquisição (podem não ter morrido muitas pessoas, mas deixou um clima de suspeição e de um certo conformismo). Por outro lado, a nossa sociedade é uma sociedade pequena, em que as pessoas se conhecem todas umas às outras, o que dificulta a assunção de posições corajosas. Em geral lidamos mal com o conflito, gostamos de agradar. E são poucos os que manifestam, exprimindo a sua opinião quando ela é contrária ao sentimento generalizado e pode criar as chamadas "desinteligências".
Os advogados devem ser pessoas livres, que têm como norte aquilo em que acreditam. Não deixam de ser pessoas que devem ser hábeis e com capacidade de sair de encrencas... mas, não podem ser cata-ventos que vão para onde sopra o vento. Aprecio em Thomas Morus esse equilíbrio.
Talvez hoje não estejamos a "arriscar o nosso pescoço", tal como Morus fez. Mas o advogado deve ser um defensor de causas justas e, por vezes, tal significa ter que assumir em si pesos que não são os seus: os pesos e as dificuldades dos seus clientes. Isso são os "fardos" que carrega um advogado; São Thomas Morus era alguém com sentido de humor. E é bom que um advogado tenha sentido de humor: ele dá uma distância em relação aos acontecimentos, permite-nos relativizar as coisas. Mas em determinados momentos, a vida do advogado cruza-se também com decisões difíceis em que a coragem é necessária e o sentido de humor pode escassear.
Vale a pena revisitar a história dos Descobrimentos Portugueses e perceber como depois dum período áureo, não soubemos infelizmente manter-nos abertos e tolerantes. Damião de Góis, por exemplo, terá sido perseguido pelas suas ideias, por ser um defensor de fazer pontes.
A Europa viveu infelizmente períodos trágicos de intolerância. Nisto, Erasmo de Roterdão e outros homens que praticavam a cultura clássica, como Thomas Morus ou Damião de Góis, distinguiram-se pela sua capacidade de análise e pela sua moderação - e também por não terem medo de dizer o que pensavam. É por isso que eu acho que a cultura é muito importante na abertura dos espíritos.
Em 1506 uma turba violenta sai da Igreja de São Domingos para matar judeus. Consta que terão sido cerca de 2000 pessoas. Pouco se fala sobre isso nos manuais de história. Damião de Góis falou nisso nas suas crónicas sobre o reinado de D. Manuel.
Ontem, o Bastonário da Ordem dos Advogados, referiu-se ao acórdão do Tribunal Constitucional de declarar inconstitucional a decisão dos partidos de direita na Assembleia da República de não permitir o reagrupamento familiar dos imigrantes. Creio que foi corajoso da sua parte e que manifesta a sua independência e capacidade de pensar nos nossos valores civilizacionais. Não será a medida dos partidos de direita algo eleitoralista? Podemos ter medidas para controlar a imigração, mas tal deve ser pensado com ponderação, equilíbrio e sentido de responsabilidade, melhor dizendo: com humanidade.
João Massano que é o novo Bastonário da Ordem dos Advogados, demonstrou nas suas palavras como deve ser um advogado, livre e independente, com pensamento próprio e que de S. Domingos podem sair palavras moderadas e sensatas e não incendiários como aconteceu em 1506 com os judeus massacrados. Embora hoje os temos sejam outros, o populismo não diverge muito ontem de hoje, e é muito fácil cair na ratoeira das redes sociais e da demagogia - e, com isso, conceder na verdade. Um bravo a João Massano que tem voz própria e não alinha em histerias!
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