O entusiasmo e a educação


"Quando li as aventuras de Tom Sawyer fiquei fascinado pela personalidade deste rapaz. Um rapaz que se sentia sempre impelido para aventuras. Um rapaz de imaginação fértil que vivia juntamente com o seu irmão Sid (em tudo o seu oposto: ajuizado, cumpridor, ”um bom rapazinho”), com uma sua tia, a Tia Polly.

Para Tom a vida era mais cativante e rica do que as coisas que o faziam aprender na escola (sobretudo na escola dominical onde o obrigavam a decorar trechos da Bíblia de cor). Para ele eram incrivelmente mais aliciantes os bichinhos que ele recolhia no campo e com que brincava e que martirizava com jogos. As superstições sobre como curar verrugas, em rituais complexos e difíceis.

A sua imaginação, avesso que era à disciplina que lhe impunham, levava-o em perigosas aventuras, normalmente com Huckleberry Finn (Huck) e, por vezes, com Joe Harper .

Era a Tia que o castigava por faltar à escola e ir brincar para o rio Mississipi; era a Tia que com ele se zangava – e ele fazendo-se de pobre infeliz, exagerando até à exaustão a sua miserabilidade.

Certo dia Tom, Huck e Harper fogem para uma ilha para fazerem de piratas, deixando a sua família e toda a população da pequena vila em estado de luto por os pensar afogados. Queriam ser piratas... e adoptam os nomes de Vingador Negro dos Mares das Antilhas (Tom), Homem das Mãos Sangrentas (Huck) e Terror dos Mares (Joe). Mas quando se estão a desmobilizar e a querer voltar para casa, propõe Tom que sejam índios. E, assim, voltam a fumar cachimbo com tabaco, algo que experimentaram como verdadeiros piratas e que lhes provocara náuseas, mas que o estatuto de índios obrigara a repetir sem que qualquer um deles quebrasse o seu orgulho... – o único que o fazia por hábito era Huck que vivia em completo regime de liberdade: ”fazia só aquilo que lhe apetecia. Dormia nos degraus das portas quando o tempo estava bom e dentro de barricas vazias quando chovia; não tinha obrigações de ir à escola ou à igreja ou de obedecer a quem quer que fosse; podia ir pescar e nadar quando e onde lhe apetecesse; ninguém o proibia de brigar; podia ficar a pé até tarde sempre que desejasse; era sempre o primeiro rapaz a andar descalço quando a Primavera começava; nunca tinha de se lavar nem vestir roupas limpas. Numa palavra tinha tudo o que um rapaz podia apreciar na vida”.
E depois há também Becky Tatcher, a menina bonita por quem Tom se apaixona, mas relação que é repentinamente quebrada por inabilidade de Tom, que lhe fala de uma antiga sua namorada. É ela o motivo que faz com que queira ir à escola, e depois a ela faltar quando as coisas correm mal…
Tom é assim uma criança endiabrada, inconstante (”o coração de um jovem não se mantém preso a uma coisa durante muito tempo”).

Mas tem algo fundamental: é um rapaz cheio de vida, de entusiasmo pelas coisas, que vibra intensamente, com uma ingenuidade ao mesmo tempo cómica.

Quando crescemos e empregando as imagens do livro “o Principezinho” de Saint-Exúpery, as coisas muitas vezes tornam-se aborrecidas: as pessoas ocupadas com o seu pequeno mundo, incapazes de ver para além dele. Um mundo em que já não há sonhos. É por isso que o mundo dos adultos pode ser incrivelmente desinteressante. E no mundo dos adultos há quem não viva feliz e vá procurar a felicidade em sensações, em prazeres, e se calhar pensa - momentaneamente que a felicidade está aí. Perdeu a capacidade de sonhar. Perdeu a esperança. Se passar de criança a adulto é isso, então de que serve a educação? Não, não podemos perder uma certa ilusão com a vida. Um certo fascínio. O amor à vida, a curiosidade por conhecer mais.

Será que os educadores se aperceberam que nunca devem "deixar morrer" a criança que há em cada um? Que não podem matar o sonho? Que educar é um trabalho de equilíbrios - é respeitar esse sonho, mas ajudar a andar com tudo o que isso envolve de esforço e sacrifícios, de desilusão e incompreensão, de encontros e novas descobertas, enfim de alegrias e tristezas?!"
Excerto do livro "Uma Educação com Sentido, Reflexão sobre a Escola, hoje", Duarte de Lima Mayer

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