Qual é a tua "praia"?!

É frequente utilizar a metáfora da praia para falar dos cristãos e de Jesus. É uma imagem que neste tempo estival, redobrada oportunidade terá - ainda ontem fui à praia, à praia da Aguda, perto de Fontanelas, em Sintra. 

Nós, enquanto seres de hábitos e de sociabilidade, temos uma tendência natural em nos darmos em círculos mais ou menos fechados, em nos atribuirmos pertenças - senão mesmo exclusividades. Nesse sentido, a minha praia de infância e juventude sempre foi a Praia Grande, em Colares. E é verdade que tínhamos além duma identificação por completo com a Praia Grande a mania de atribuirmos, mesmo dentro da praia, zonas próprias e zonas "pouco adequadas". Assim, havia dentro da praia a zona onde estávamos: os toldos à frente da Casa da Galé, e o remanescente era o sítio dos "parolos" (todo o resto, à direita ou esquerda). Deveríamos ir à Praia Grande, mas não era apenas a essa praia, era a um local específico dentro dela (by the way, parece que o Pres. da CMS quis acabar com os toldos justamente porque achava que a praia deveria ser para todos: "Sintra uma terra que é nossa", parece uma parangona para dizer que não é só de "gente fina", é de todas as classes. É uma proclamação um tanto ou quanto socialista, é certo, embora não me pareça que seja fácil a uma qualquer pessoa meter-se no autocarro e chegar a Sintra - daí que não seja apenas a proclamação que faz do sítio um "lugar para todos"). 

Enfim, mas o que queria dizer não é no campo da política - embora fosse muito interessante fazer todo um estudo sociológico sobre as vivências sociais nesse locus que é a praia, que é talvez um "domínio livre" de posse/propriedade, e por isso que diríamos um "espaço democrático" por excelência, mas em que não fugimos à tendência de separar.

Aquilo que acharia interessante é dizer que essa "fidelidade" à nossa praia pode ser em certa medida uma limitação estúpida. Hoje em dia a Praia Grande é um inferno para se arrumar o carro (quanto mais parques se fazem, mais gente vem à praia), além de que é uma constante termos que estar a falar a pessoas, só por simpatia e boa educação, o que torna o nosso espaço e tempo de descanso um campo de obrigações;  há uns anos quebrei essa fidelidade e comecei a ir a outras praias, simplesmente pelo sossego. Por exemplo, o Guincho, o que para um adolescente sintrense constituí quase uma traição fazer: Cascais é uma outra "nação", outra gente. Admitir que se vai para o Guincho é mais ou menos igual a um sportinguista dizer que assistiu a um jogo na bancada do Benfica... Traição! Mas o Guincho muitas vezes não tem vento, e é uma das praia mais bonitas que existem, tem um bar que é bem simpático e lugar para deixar o carro.

Assim, a vida pôs-me a ir a outros sítios; a "terreno neutro" também, como outras praias fora desta sociabilidade próxima, onde os sentidos de pertença são mais exaltados. À Costa Vicentina por exemplo, com praias fabulosas.

A questão reside em que podemos encontrar razões objectivas quanto ao tipo de praia que preferimos: podemos gostar de mar mais agitado ou mar mais calmo, água mais fria ou menos fria (é mais ou menos este o espectro térmico a escolher nas nossas praias, entre frio e menos frio...) Assim, posso preferir um determinado perfil de praia, do que doutro. 

Sou uma pessoa que gosta de praia! É incomparavelmente melhor para mim do que estar na piscina. Uma praia é um sítio onde chegamos, onde paramos o carro, tem areia e um mar onde podemos mergulhar ou nadar, em água salgada. É simples.

Mas aqui ainda uma outra ideia, que foi onde comecei este texto: não faz sentido uma fidelidade a uma praia. É ridículo! Quem gosta de praia, vai à praia que lhe apetece, de acordo com o que gosta mais, como o que é mais prático naquele momento e com as possibilidades que tem. E não fujo à ideia que me fez começar a escrever este texto, fazendo uma comparação que espero não soe a blasfema: Cristo "é o mar salgado", assim como toda a praia tem mar salgado. Quem gosta de Cristo, procura-o onde ele se manifesta, muito mais do que na praia concreta onde se está: o mar salgado estará aí e isso faz com que tenhamos ido à praia, e explicar porque tanto gostemos delas (das praias). Da mesma maneira que não vou apenas à Praia Grande e que aceito que o que gosto mesmo é de praia, para mim Cristo é Cristo e as maneiras de chegar a ele são praias múltiplas onde me banho para chegar ao mar salgado. Em Cristo não pode haver clubes nem capelinhas! É tudo mar salgado!

Joaquim Sorolla é um pintor espanhol que adoro. Nesta pintura em baixo "Corriendo por la playa" encontramos a enorme alegria das crianças que brincam junto ao mar. A luz que irradia nos seus quadros identifica-o com uma grande singularidade, aliás diz-se que criou a técnica do "Luminismo" nestas cenas de praia. Nesta pintura encontramos grande leveza e espontaneidade. Não nos é difícil quase sentir a frescura da água, o som das ondas e das crianças a brincar. Podemos imaginar essa cena em muitas praias. 

Não podemos também achar que Cristo se fecha apenas numa praia: a luz de Cristo irradia de/e em muitos sítios!
 
    
      Joaquín Sorolla "Corriendo por la playa", Valencia 1908

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