Um filme e uma visita

1.Assisti ontem a um magnífico filme no Corte Inglés ("Viver"), filme que está actualmente em exibição nos cinemas. 

Passado no  pós-guerra, em Londres, tem como personagem principal um funcionário da câmara municipal em final de carreira, chefe duma divisão e que coordena uma pequena equipa de pessoas. 

Filmado e apresentado como um filme de época, somos reintroduzidos num tempo que nos remete directamente para a lógica das grandes instituições que surgiram naquela época - as do Estado Providência, onde trabalha um batalhão de pessoas, divididas por unidades orgânicas que não comunicam entre si e onde a máquina burocrática, o trabalho desinteressante e a rotina esmagam qualquer vontade. O "monstro" engole a pessoa e suga toda a sua energia, a tal ponto que os papéis se vão acumulando em poeira - amontados em prateleiras onde jazem indefinidamente, ou em que o preferido jogo é o de "passa a outra divisão que não a mesma". 

À volta do chefe, gravita um conjunto de funcionários que diariamente se encontram no combóio que os leva à cidade, repetindo os mesmos gestos, maquinalmente; uma vida sem qualquer novidade, ou qualquer ousadia. 

Mas é quando a doença lhe é anunciada como um prazo que lhe dá apenas uns meses de vida, que vamos assistir a um apelo profundo ao "ressuscitar" daquela vida, depois de cair na conta, com profunda tristeza, que deixou-se levar por uma vida vazia de qualquer entusiasmo, aprisionado por umas "garras" que o engoliram. 

Sentado agora ao almoço num restaurante de luxo (!), onde se permitiu estar com uma rapariga simples e alegre que com ele trabalhava, ouve a confissão dela de como o via: um "zombie", alguém meio vivo/meio morto. Mais tarde, ele abre o seu coração e diz-lhe que o que mais queria era parecer-se com os "gentlemen" com que se cruzava em novo, quando ia com a sua mãe à estação de comboios. 

Nesses meses que lhe restam, a vida irrompe de novo por entre o homem empedernido pelo tempo, uma urgência que o leva a encarar tudo sob um olhar diferente, o de que não pode desperdiçar o que lhe resta. Somos assim levados, juntamente com a sua equipa de funcionários, ao encontro do homem com o sentido da vida e de como os dias são vividos (ou não) segundo a nossa vontade. "Emprestar alma" às coisas e ao que fazemos é, em última instância, uma decisão pessoal. Assim, com uma candura que enternece, o filme termina com a imagem deste homem baloiçando-se na cadeira do parque infantil, que pelo seu esforço pessoal derradeiro, viu a luz do dia nascer, enquanto ele canta a cantiga que a sua mãe escocesa lhe cantava, uma cantiga sobre uma árvore num jardim. A infância, voltamos lá sempre!

A estética dos anos 50, nesse mundo que desapareceu da hombridade e do brio, corrobora no sentido de que todos nós podemos encontrar no que fazemos o sentido profundo para as nossas vidas. É  essa a lição que, reunidos num vagão do comboio, comunitariamente, os funcionários que estavam a cargo daquele homem retiram: de que o seu trabalho importa pois, em última instância, pequenos parques infantis como aquele, se bem que pequenos e aparentemente insignificantes, dependeram da vontade de alguém e tornaram o mundo um pouco melhor do que era...

2. Sábado passado dei um pulo ao Convento de Cristo em Tomar. Creio que a última vez que lá fui tinha sido há cerca de 2 anos. 

A experiência de Sábado foi uma experiência triste pois fiquei com a nítida sensação que aquele importantíssimo monumento (Património Nacional e Património da Humanidade) está completamente ao "deus-dará". 

Aparquei o carro no topo da cidade e fiz-me ao Convento por baixo, pela cerca. Depois de atravessar um jardim desmazelado e aparentemente sem maneio (onde uma pessoa anónima alçava uma vara para apanhar laranjas...), tentei entrar pela entrada que conhecia. Acontece que devido a obras e a andaimes fiquei perdido cerca de 10 minutos, desorientado com uma sinalética completamente confusa. Depois de vários enganos, lá acabei por chegar à entrada, na fachada virada a poente. Aos dois funcionários que lá estavam na bilheteira perguntei se a entrada tinha mudado e eles disseram-me que sim: devido a obras de manutenção. Queixei-me da má sinalética exterior, que na minha opinião era inadmissível num edifício daquela dignidade, comprei o meu bilhete (6 euros) e lá entrei. 

O cenário no interior não era melhor: a sinalética novamente confusa e incoerente e o estado do Convento "épouvantable" como diriam os franceses. 

Não resisti e voltei à bilheteira para voltar a queixar-me. Os funcionários, simpáticos, ouviram-me pacientemente e deram-me razão: a culpa de tudo aquilo é que não há dinheiro. Não há dinheiro para contratar um jardineiro, razão porque o Convento há 2 anos que não tem nenhum (daí o estado deplorável do jardim...); e quanto à sinalética a DGPC encomendou sinalética, mas como ainda não pagou a empresa não forneceu ainda e não há meio de chegar (já tive a experiência de esperar por pagamentos da DGPC... sei como é). 

Por todo o lado viam-se cabos de electricidade, havia papéis no chão e material atirado às "três pancadas".

Experiência triste. Um património que não conseguimos manter, honrando a história de alguns dos nossos maiores, como o Infante D. Henrique. 

Sintra já esteve assim, lembro-me de quando era mais novo. 

Com os Parques de Sintra Monte da Lua muito melhorou, em especial a partir do Prof. António Lamas, que imprimiu um grande dinamismo com recurso a verbas como as dos EE Grants. Trabalhou com saber e competência, deixando um património não apenas conservado, como melhorado. 

Deve haver algo que se possa fazer, provavelmente terá que ver com modelos de gestão do património. Ouvia o Prof. Lamas há uns meses a falar sobre modelos de gestão como o National Trust no Reino Unido. A dependência da DGPC parece-me que está a atrapalhar, não havendo ninguém directamente responsável e não há verbas. Diziam-me os funcionários da bilheteira que tudo o que entra ali vai para o orçamento do Estado e depois o Estado não põe lá quase dinheiro nenhum...

Não é só o Estado que dá um mau exemplo - e dá um péssimo exemplo: sobretudo agora que se colocam questões ao nível das políticas públicas de Habitação, não deixa de ser a de uma realidade quase esquizofrénica um Estado que é moralista e que quer mandar na propriedade privada, quando ele abandona o que temos de mais valioso...

O problema é também a demissão da sociedade civil. 

Em Inglaterra e noutros países, associações da sociedade civil empenham-se na manutenção do património. Lembro-me bem da experiência que vivi com a Associação dos Amigos de Monserrate, iniciativa, é preciso dizê-lo, dum Embaixador Britânico que convidou a Emma Gilbert para lançar um movimento. E a Emma, minha boa amiga, fez um trabalho notável de chamar a atenção para o que se estava a permitir que acontecesse... 


 

  

   

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