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Inhaca em Lisboa

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Hoje ao jantar apeteceu-me dar uma volta e acabei sentado a uma mesa, só, no Restaurante "Inhaca" - Portas de Santo Antão. 300 gramas de camarão bem cozido; ao meu lado dois africanos; umas mesas à frente, um português já depois dos seus 65 anos jantava, bem disposto, com o que só podia ser uma prostituta, de origem africana. Naquele rodopio de gente e vendedores ambulantes, chegou um indiano a vender rosas - parou junto ao português, e este perguntou à senhora negra se ela queria umas flores. Risos para cá, risos para lá, a moça hesitou, enquanto o homem, um tanto ou quanto displicente perguntava: "queres, ou não queres?!" A discrição feminina não lhe permitia dizer que sim - e o homem lá mandou o vendedor embora. Pensei cá para mim: "é tipicamente o construtor civil português que vai para Luanda e arranja uma pretinha".  Outros vendedores ambulantes circundaram. Um senegalês vem-me oferecer produtos de artesanato em madeira. Um pratinho de bom presunto, ...

O Burro e a Carroça

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Uma das crónicas publicadas no Expresso seleccionadas para o livro "Onde está o Mal?" (Sopa das Letras, 2002), de António Pinto Leite tem como título "o Burro e a Carroça", um texto que ontem revi pois ficara-me na memória.  Tem a ver com a existência de dois universos antagónicos no país, aqueles que trabalham, que agem, que produzem e aqueles que se deixam no marasmo, que falam de direitos e regalias, que aproveitam as disfunções do sistema a seu favor. Parece que uns são "trouxas", os outros "espertos", uns são ingénuos, os outros sabem que no mundo não há heróis - e que não vale a pena ser-se herói.  O mérito de António Pinto Leite é que não pensa o burro sem a carroça, nem a carroça sem o burro. A questão é que estão indissociavelmente ligados - é essa justamente a questão. Diz-nos António Pinto Leite, há 20 anos de distância e ainda tão actual: " os Portugueses , no seu todo, não têm interiorizado que a produtividade é a primeira forma...

Distrito de Beja

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É o maior distrito português e um dos menos populosos. Classicamente conhecida como a cidade mais quente do país, Beja encabeça este grande distrito, que tem a oriente, como marco fronteiriço com Espanha o rio Guadiana, a nascente o Oceano Atlântico através do município de Odemira, a sul as serras que a separam do Algarve e a Norte o Alto Alentejo (com sede de distrito em Évora e Portalegre). No seu livro " Portugal, o Sabor da Terra " José Mattoso fala das terras planas e barrentas de Beja, excelentes para cereais, terras das mais ricas do país e que são agora servidas também pela grande barragem do Alqueva. Mas o resto do distrito é pobre em geral, pouco apto para a agricultura e pouco servido de água.  Há 2 anos, com amigos, desci em bicicleta a costa, desde Tróia até a Sagres. Passámos por Odemira, era tempo de pandemia, não se via ninguém. Além da beleza extraordinária da costa, não pudemos deixar de nos espantar com o número de estufas. É uma realidade recente, algo pol...

Portugal, a minha terra

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Tenho recentemente estado um tanto ou quanto virado para Portugal, tentando perceber este nosso país, para assim também mais o amar. Leituras como " Portugal, o Sabor da Terra ", do grande e profundo José Mattoso. Ele fala-nos das regiões do país. Com ele percebo hoje melhor Trás-os-Montes, o Minho, ou o Alto Douro. Desde há cerca de um ano que fui lendo algumas coisas de Agustina Bessa-Luís. Que magnífica biografia " A Estrada e o Poço ", nome estranho - não consigo ainda perceber a razão para o título... Mas o livro é muito bom e com ele se consegue ver essa mulher, que desde criança foi uma observadora atenta e inteligente. Autora que pinta a sociedade do Douro, por exemplo, onde a força das matriarcas se faz sentir. Dizem que a Sibila é um livro extraordinário, que marca o romance do séc. XX (ainda não o li). Talvez a Ferreirinha seja um exemplo disso mesmo. Algumas coisas também de Vitorino Nemésio, todo um mundo diferente: os Açores, a sua ligação com esse mun...

O Inferno

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Esta semana vi um  magnífico filme chamado " Pleasentville - Viagem ao Passado "(https://www.youtube.com/watch?v=dSDm62Hmbf4). Conta a história de 2 irmãos gémeos (rapaz e rapariga) que dos anos 2000 são transportados para o passado, através dum fenómeno tecnológico que os introduz numa série a preto-e-branco dos anos 50. Duma vida colorida e cheia de nuances, os dois irmãos chegam a um mundo previsível, onde as regras estão bem definidas.  São os "Boring 50's", o mundo dos baby-boomers - tudo a preto e branco, realidade feita de clivagens muito grandes entre o "certo e o errado", o que torna tudo mais fácil de conhecer, mas onde temos que nos conformar com regras exteriores a nós, onde nem sempre nos conseguimos encaixar.  É um filme de uma enorme criatividade, com recursos técnicos excelentes pois, com a introdução do jovem casal de gémeos que vão abalar essa realidade dual e simplista, algumas das personagens vão ganhar cor e rebelar-se, enquanto ou...

"O Livro de Frederico Pery, o Advogado Perypatético"

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  " Ser-se advogado é mais um estilo de vida que uma profissão, é sobretudo ser-se livre e dar vida (embora por vezes se tenha a ideia que o advogado é quem dá a morte) . Alguém uma vez disse que um poeta não se reforma; acrescentarei porque tem sede de Paraíso. O advogado tem a mesma agitação interior do poeta - e pode ir até ao Inferno para resgatar o Paraíso. Ao Inferno dos conflitos, da extrema burocracia, das esperas infindas pela justiça. Porém, o advogado deve perceber que ir ao Inferno não é «bilhete sem regresso». Como dizia Sebastião da Gama. devo querer «Que a Morte, quando vier, não venha matar um morto.../Quero morrer em pujança/Quero que todos lamentem a ceifa de uma esperança». Frederico Pery, o «Advogado Per(y)patético», exerce advocacia num escritório no Chiado, à rua da Emenda, ali bem perto do Tejo, alternando entre o patético e a busca peripatética de bem servir na sua profissão.  Dedica-se à especialidade do direito marítimo, num escritório de família ...

Um filme e uma visita

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1.Assisti ontem a um magnífico filme no Corte Inglés ("Viver"), filme que está actualmente em exibição nos cinemas.  Passado no  pós-guerra, em Londres, tem como personagem principal um funcionário da câmara municipal em final de carreira, chefe duma divisão e que coordena uma pequena equipa de pessoas.  Filmado e apresentado como um filme de época, somos reintroduzidos num tempo que nos remete directamente para a lógica das grandes instituições que surgiram naquela época - as do Estado Providência, onde trabalha um batalhão de pessoas, divididas por unidades orgânicas que não comunicam entre si e onde a máquina burocrática, o trabalho desinteressante e a rotina esmagam qualquer vontade. O "monstro" engole a pessoa e suga toda a sua energia, a tal ponto que os papéis se vão acumulando em poeira - amontados em prateleiras onde jazem indefinidamente, ou em que o preferido jogo é o de "passa a outra divisão que não a mesma".  À volta do chefe, gravita um conj...