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Mundo da pós-verdade

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Ontem, numa peça jurídica, escrevia que uma mentira repetida muitas vezes se torna entretanto verdade. Vinha hoje a pensar no caminho para o escritório na amoralidade dum homem como Donald Trump: o que interessa é ser-se vencedor, preside a lei do mais forte. A América que era uma terra onde classicamente se distinguia o bem do mal, é agora uma terra da relatividade dos valores, onde cada um tem "a sua verdade".  A invasão ao Capitólio, incentivada por ele, foi um atentado gravíssimo (talvez o mais grave de que há memória desde a guerra civil) às instituições americanas. Os processos de inquéritos demonstraram à saciedade a sua passividade naquele dia 6 de Janeiro de 2021, em que aquela mole humana convocada por ele para se manifestar contra os resultados das eleições, se dirigiu ao Congresso. O poder tremeu e podia ter sido um banho de sangue. Como uma das primeiras medidas após a sua tomada de posse há dias, resolve libertar os "reféns" presos... Como chegámos aqu...

Será conservador ou conversador?!

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Sentados os dois para discutir sobre a orientação do novo livro, Zé diz-lhe: " tu és conservador e as ideias e livros dos conservadores infelizmente pouco vendem ". Estamos habituados a que a esquerda acuse a direita de ser estúpida. Como se fosse a direita coincidisse com o estado de privilégio do nascimento - e a esquerda tivesse o privilégio de dizer o que deve morrer e ser enterrado, por disposição natural. Há direita estúpida e há muita esquerda estúpida, facciosa, preconceituosa. O império da estupidez estende-se por territórios extensos e não encontra fronteiras.  É pena, porque a experiência humana não é para ninguém um caminho rectilíneo, também há muitos caminhos difíceis. Há uma ontologia da vida que é do Ser Humano - a comunicação mais do que servir para ser distribuída à direita ou à esquerda, destina-se à partilha com outros seres humanos e à necessidade de nos abrirmos a alguém semelhante. Quando somos capazes de despir-nos de todos os rótulos e adentrar-nos, p...

O Mário e a Maria

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Tenho um amigo sábio de mais de 80 anos (o Mário) que diz que há certas pessoas que não conseguem viver sem escrever. Creio que era Agustina Bessa-Luís que também o dizia - confessava que era algo tópico, epidérmico: quando não escrevia sentia-se privada, privada de uma substância química essencial para o seu equilíbrio homeostásico. Tenho uma amiga, a Maria (bem mais jovem que os 80 anos) que também escreve e que lê muito (além de outras coisas mais interessantes, lia o meu blog). Não sei como se sente, se também é como eu, que precisa da escrita, como de um "comprimido" para o bom-humor.  Vejo a escrita como um "ruminar" que mastiga o mundo, o "meu" mundo. É uma actividade solitária, para lobos. Lobo Antunes será um desses lobos pois, tendo o ofício de escritor, considerou que para a ele se dedicar tem-se que se ser lobo. O nome Lobo não lhe fica mal então. Senti-me privado quase durante um ano desta escrita por aqui. Tenho-me dedicado a um outro project...

“Os Noivos”, de Manzoni

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Um casal de noivos ("I promessi sposi", dá o nome a este romance de Manzoni), ela Lúcia, ele Lorenzo (ou Renzo), são as personagens principais dum enredo passado no Norte de Itália no início do séc. XVII, num tempo em que o direito da força ainda prevalece sobre a força do direito. Dom Rodrigo, capo senhor de um bando armado de malfeitores que grassam ainda e que são avessos a todos os éditos que proíbem a violência, é a tal expressão da força que, tomado de apetites pela noiva, proíbe o mui pusilâme Dom Abbondio de unir em casamento o casal. O cura da aldeia revela-se em todo o longo romance um homem fraco e temeroso, indigno do Magistério ao qual foi chamado. Mas ele não é senão a figura passiva, e titubeante que não se opõe ao mal e que precipita toda uma correria desenfreada, pois os noivos empreendem uma fuga tal como coelhos que fogem da raposa. Os diálogos são vivos e interessantes. Pela intervenção dum frade, Cristoforo, homem de discernimento e de bom conselho, Lúc...

O que é uma Comunidade?

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Comunidade é interessar-se pelas pessoas. É lembrar que o sobrinho estudante de Engenharia é o menino querido da tia Olga e rejubilar com a amarga solteirona quando ele passa nos exames e obtém a sua licenciatura. É deslocar-se a um subúrbio remoto para visitar a chorosa «Paulinha», a quem uma empregada da família já falecida tinha criado e amado. É arrostar com a artrite, subindo cinco lanços de escada e descendo os mesmos cinco lanços para trazer pastilhas da tosse a uma velha prostituta que se tornou vizinha por parar à esquina da rua durante anos enquanto espera por clientes. O mundo do Burgher e da sua comunidade era pequeno e estreito, de vistas curtas e asfixiante. Cheirava a esgotos e afogava-se na sua própria má-língua. As velhas idéias nada valiam e as novas eram imediatamente rejeitadas. Havia exploração e ganância nesse mundo e as mulheres sofriam. Como a contenda idiota da Avó por causa do apartamento, podia ser mesquinho e rancoroso. Mas os valores que possuía - respeito ...

Sábios

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O filósofo Josep Maria Esquirol pode não ser o melhor dos oradores, mas a reflexão que tem vindo a fazer é um convite irrecusável que nos faz a leituras proveitosas de reencontro connosco e a afinar as nossas cordas interiores. "Resistência Íntima - Ensaio de uma Filosofia de Proximidade", é um percurso pela condição humana de pequenas verticalidades num espaço horizontal, i.e., existir é para Esquirol um acto de transgressão contra a desagregação que nos leva, com o tempo, ao normal da horizontalidade. Segundo o autor " a ideia de resistência permite desenvolver uma reflexão num duplo registo que se pode entrelaçar. Por um lado, uma filosofia da proximidade que centra a atenção no outro - o amigo, o companheiro, o filho -, no ar que se respira, no trabalho, no quotidiano..., bem como nas articulações do si-mesmo (memória, sentimento, esperança...). Capas de intimidade, articulações complexas e variáveis que são abrigo íntimo, resistência íntima; uma resistência que disp...

Sebastião Salgado e os estados psicológicos

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O grande fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado conta que o trabalho que fez designado "Exodus", em que retrata pessoas em fuga de guerras (creio que uma delas é o Ruanda) o expuseram de tal forma ao lado negro do Ser Humano, que ficou profundamente abalado, em estado de depressão. Foi um projecto longo e difícil, que o levou a procurar ajuda, porque acabou por não se sentir bem do ponto de vista psicológico, acumulando tensões e uma enorme descrença na bondade da vida. No seu trabalho seguinte, designado "Génesis", Sebastião Salgado veio tentar combater a tristeza que carregava com a beleza e magnificência da natureza. Muito desse trabalho é também feito no mesmo Ruanda, onde se deram os mais terríveis massacres de que a Humanidade viveu no limiar do séc. XXI, retratando agora selva e a riqueza da sua vida animal. Não tenho dúvidas de que somos bastante condicionados pela forma como o que se passa no nosso dia-a-dia nos cria boas ou más emoções.    Sebastião Salga...