Os pássaros quando morrem caem no céu


Gosto da liberdade dos poetas, que sabem olhar para as coisas e ver. Sabem encontrar o dentro - e não classificam. 

Ver dá vida, classificar mata. É um pouco aquilo que se diz do Espírito e da Letra, ou da Poesia e da Gramática. Os poetas sabem encontrar o palpitar e a reverbação na passagem. Florbela Espanca diz-nos que ser poeta é ser mais alto, ser maior dos que os homens, ser mendigo e dar como quem seja, rei do reino Aquém e de Além Dor! Nunca um economista diria que um mendigo pode ser rei, mas quem é poeta é naturalmente rico aos seus próprios olhos. 

Tenho a convicção clara de que o melhor da vida não se compra. No fim-de-semana passada subi à colina do Castelo. Um guitarrista tocava melodias lindíssimas. Encostei-me a um muro a ouvir, contemplando um jardim com árvores floridas. Não gastei um cêntimo, apenas a sola dos meus sapatos. Mas recompensei com uma moeda dum euro aquele artista que fizera o meu dia melhor. 

Certo dia escrevi sobre uma personagem de ficção que eu próprio criei:

- podia o mundo todo desabar, que ele sempre encontraria razão para sorrir. Era uma pessoa boa, que respirava uma grande paz interior. Os outros procuravam-no porque ele sabia ouvir, sabia parar. O outro nunca o invadia, nunca roubava o seu espaço. Tinha tempo para os outros. 

Tenho lido que no amor não devemos procurar quem nos salve. Devemos sim amar porque isso é a nossa maior felicidade. Vivermos com os outros, em comunhão com os outros; a referência da felicidade não é o que vem de fora. É o que temos dentro de nós. É sempre isso. Escreveu José Gomes Ferreira:

Nunca encontrei um pássaro morto na floresta.
Em vão andei toda a manhã
a procurar entre as árvores
um cadáver pequenino
que desse o sangue às flores
e as asas às folhas secas…

Os pássaros quando morrem
caem no céu. 

Vejamos infinitos. Vejamos o mistério. Não deixemos nunca de nos maravilhar. Não sejamos completamente desinteressantes. Novos ricos. Estúpidos. Palermas. Estejamos com os outros para partilhar a mesa, para nos contarmos histórias e para sermos fontes uns dos outros donde brota água que não esgota.


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