Crónica do Tempo que passa

Na semana passada assisti pelo youtube, muitos anos depois de o ter feito, a um discurso de Barack Obama no Parlamento inglês. Em cerca de 1 hora, frente a uma extensa plateia de ambas as câmaras suspensa no seu poder de exposição, Obama foi o "primo americano" arauto do mundo livre, defendendo porque continua a fazer sentido a América e Inglaterra continuarem de mãos dadas. Fiquei realimente impressionado com a sua capacidade de pensar o mundo e de o fazer na base de valores. No final, creio que foi à presidente da Câmara dos Pares a quem coube fechar a sessão e agradecer... que ele incorporaria bem aquela máxima de "liderar com poesia e governar com prosa".

Essa mesma noite, procurei um filme para ver à noite e encontrei, entre muitas opções, "Michelle e Obama, o Primeiro Encontro", um filme de 2016. Filme muito bem feito, com uma narrativa simples relativa ao primeiro encontro que terão tido. Michelle, um tanto desconfiada das aproximações de Obama, vai opondo algumas resistências, mas que acaba por ficar rendida perante a capacidade desarmante daquele homem, a sua inteligência e capacidade de análise. 

Preocupada com o facto de trabalharem na mesma sociedade de advogados, Michelle tem vários picos emocionais de revolta contra o seu "estagiário", que insiste em a cortejar; ela, uma mulher esforçada, que pretende ver reconhecido o seu valor num mundo de homens e ainda por cima de brancos, teme que não seja levada a sério se começar "namoricos" inconsequentes. Obama, não se faz rogado e num dia intenso, onde se testam e avaliam um ao outro, mostra que é um homem realmente diferente. O momento de viragem é uma reunião agitada entre activistas dum bairro pobre do sul de Chicago em que Obama intervém dando um contributo brilhante.

Obama ainda é um homem relativamente novo. Tem 60 anos. Pensei, o que poderia este homem ainda dar à América e ao mundo?!

Esta semana falava ainda com a minha amiga Alice Wohl e dizia-lhe que tinha ficado impressionado com aquele discurso em Londres. Ela disse-me, "pois é, mas não o deixaram fazer nada, fizeram a vida dele uma miséria, foi muito acossado".  

Amanhã entretanto começo uma semana de férias, vou para Sintra. Preciso de descansar, vai saber-me bem.

Esta semana li um livro de que gostei muito, chamado "Flores" dum autor português chamado Afonso Cruz.  Chamou-me a atenção quando nele peguei e li uma das primeiras página: "Nos últimos tempos, quando sinto os lábios da Clarisse a tocarem os meus, comprovo que não têm história, já não convocam o primeiro beijo que demos. Creio que, numa relação, o beijo terá sempre de manter a densidade do primeiro, a história de uma vida, todos os pores-do-sol, todas as palavras murmuradas no escuro, toda a certeza do amor. Mas já não é assim. Agora sabem às vacinas que tínhamos de dar à cadela (já morreu), às conversas com o director da escola, à loiça por lavar, à lâmpada que falta mudar, às infiltrações no tecto, às reuniões de condóminos...




Neste livro, Afonso Cruz, com uma imaginação prodigiosa, faz-nos acompanhar a personagem principal da história, um homem de meia idade, desencantado com a sua vida e que procura a redenção da rotina num amor adúltero, o que cria um afastamento em relação à sua pequena filha Beatriz e faz precipitar a saída da sua mulher, Clarissa. 

Ao procurar descobrir o passado do seu vizinho, que por causa dum aneurisma perdeu a sua memória, acaba por entrar na vida de um outro, na enorme complexidade e até nas contradições que cada vida encerra, o que Afonso Cruz faz com uma mestria assinalável, usando figuras um tanto ou quanto anedóticas. A personagem principal do livro vai encentando um diálogo consigo próprio, servindo também o espelho da sua casa de banho para inventar uns tantos heterónimos com quem vai conversando... fiquei com vontade de ler mais. 

A pergunta de Afonso Cruz é a pergunta que outros fazem. Como restaurar o cheiro das flores?! E coloca no final do livro uma frase de August Strindberg: 

«Certa vez uma criança perguntou-me: "Por que é que as flores, tão bonitas, não cantam como os passarinhos?" 

"Cantam cantam", respondi, "nós é que não sabemos ouvi-las"».

Realmente, como dizia Manuel Ulme, o homem cuja memória o narrador tenta resgatar "entremos mais dentro na espessura".  

A memória é algo absolutamente essencial para a nossa vida e, nestes tempos em que vivemos, por vezes perdemos o contacto com o nosso ser interior porque não deixamos tempo para respirar.

Há dois dias voltei a pegar em Khrisnamurti (Aprender a Viver), e nele encontro uma riqueza que me voltou a surpreender.

Creio que as minhas férias serão importantes para pousar um pouco e para deixar pousar um pouco a vida!
   



 

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