O Bom Samaritano e os sem-abrigo de Lisboa

Na passada 6.ª feira assisti a uma conferência na Brotéria, o centro de cultura jesuíta em Lisboa, proferida por James Keenan s.j., do Boston College ("A New Look on Moral Reasoning"). A tese dele é que a consciência não é uma capacidade, um atributo, mas que tem que ver - e compreende necessariamente - a acção. Não fosse assim, e embora o Sacerdote e o Levita fossem pessoas formadas na religião e que sabiam distinguir o bem do mal, eles não teriam passado ao largo, algo que não seria de todo de esperar à partida. O Bom Samaritano, - aquele que seria o menos óbvio, é aquele que pára e se compadece, que se oferece para ajudar.  E isto porque, na opinião de James Keenan, ele se apresenta (1) vulnerável e (2) reconhece um outro naquele abandonado, que jaz ferido na berma da estrada. O apelo de Keenan é que saiamos dos nossos confortos e que ousemos a dar atenção àqueles que, por rotina, nunca pensámos que sejam semelhantes a nós. 

No final da conferência uma senhora estrangeira comenta com a Lívia Franco que gostou muito da pergunta dela ao questionar como é que os americanos foram bem sucedidos em ajudar os sem-abrigo em Washington (coisa de que Keenan havia falado; teria sido apenas deitar dinheiro para cima do problema?!) e depois comenta que em Lisboa ninguém quer saber das pessoas que estão na rua, nem mesmo as paróquias. Não sei se será assim (conheço a Comunidade Vida e Paz) mas de facto, a questão ficou a pairar. Onde vivo, há muitas pessoas na rua. Não sei donde vêm, porque estão assim. Há uns tantos romenos (donde saem todos os dias para pedir?), outros ainda há que são doutras nacionalidades, mas também há muitos portugueses pedintes e outras tantos muitos que jazem deitados em ombreiras das portas à nossa passagem. Dizia Keenan que numa grande conferência onde estavam reunidos mais de um milhar de pensadores de ética cristã e terá havido alguém que perguntou e então os "sem-abrigo"? Já repararam que ninguém fala deles? E realmente, de todas aquelas pessoas reunidas, não havia sequer um artigo que falasse na condição dessas pessoas...

No outro dia, no meio da agitação do Chiado, já cheio de efeitos de Natal, eram cerca das 22h00 e ao atravessar a rua reparei num rapaz que gemia, parecia que transido de frio. Eu ia com o meu blazer, estava bem vestido. Não fui o único que reparei naquele rapaz, tinha cerca de 30 anos, gemia com os braços à volta da cara, estava com pouco agasalho. Então vi esse outro que nele reparava (esse Bom Samaritano) e que num gesto decidido retirou o seu casaco e o pôs à volta do rapaz. Faria eu a mesma coisa não estivesse com o meu blazer e estivesse com um outro casaco?! Não sei, passo demasiadas vezes, já habituado a essa desgraça que é "alheia", mas que é de todos nós.

Diariamente vejo muitos destes homens, assim abandonados. É terrível e Lisboa está cheia deles, que dormem assim, nas ruas, no meio das poças, com umas caixas de cartão. Na realidade penso que muito poucos falam deles e nunca vi um qualquer estudo, pesquisa ou organização que falasse disto publicamente. 

Neste período de Natal, irei fazer um esforço especial por ver como os poderei abordar e ser útil. Não posso viver o Natal sem me lembrar destas pessoas, daqueles todos que a luz das compras e das montras não ilumina (supostamente das luzes de Natal).

























 Ferdinand  Hodler, 1853-1918, "O Bom Samaritano"

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