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A mostrar mensagens de julho, 2022

Escrita em tempos de férias

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Férias.  Sinto a frescura a entrar pela casa, mas o dia está quente. Carrego uma mala cheia de livros, comprados pela Fnac numa noite de ímpeto.  A literatura contemporânea como a de Philip Roth, uma escrita cuidada - laboriosamente aparada. É um retrato muito humano, realista e visual de um jovem escritor, que certa noite se encontra com um escritor já consagrado. "O Escritor Fantasma", é o primeiro duma trilogia - ao que parece, que conta a história de Zuckerman (alter ego de Philip Roth, leio  na Wikipedia). O primeiro capítulo do livro intitula-se "Maestro", e é a introdução desse encontro, todo ele definido pelo estreitar entre os dois e o titubear nervoso do aspirante escritor. Passa-se ele justamente em casa do "maestro" Lonoff, onde Zuckerman vai jantar e onde acaba por ficar a dormir. A noite já ia alta, a conversa, essa, foi-se estendendo, acompanhada de um brandy lento, tomado após a refeição e depois da erupção nervosa da dona da casa, incomoda

A semana na palma da mão

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Estávamos sentados à mesa e o empregado trouxe o menu. Escolho uma vichyssoise para entrada e uma perna de cordeiro no forno com mel, tomilho e alecrim, acompanhado com puré de cenoura como prato principal. Vinho tinto "Duas Quintas", do Douro, criado pelos irmãos Ramos Pinto, mas agora duma empresa francesa. A tarde estava fresca, da nossa mesa ouvia-se a fonte com o repuxo na esplanada do Grémio. Estes almoços, pausas no rebuliço dos dias, eram momentos de prazer, sobretudo quando acompanhados de boa companhia, o que não era certamente o caso... infelizmente... Sentira-me tentado a desmarcar o almoço, mas há muito que me vinha pedindo insistentemente e já não havia escapatória possível. Era uma 6.ª feira, o dia de "restos e revisões".  Ouvira dizer dum amigo que a partir dos 40 anos deixara de fazer "fretes"; mas no caso, sentira-me obrigado pela consciência, um imperativo ético, quase categórico! Achava a pessoa à minha frente um daqueles impossíveis &q

A arte do encontro

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Até onde podemos ir na vida? Será o sonho a comandar, como diria o poeta da Arrábida, Sebastião da Gama?!  Na semana passada tive alguns encontros, cheios de cor.  Há tempos, quando lancei o meu livro "Quo Vadis, Portugal?" fui apresentá-lo na Casa Veva de Lima, alguém na assistência escutou. Era uma senhora, uma psiquiatra, provas dadas, autora de livros. Uns meses depois, a semente despontou e recebo um telefonema. Endereçava-me um convite para jantar em sua casa: iriam uns tios meus, no meio de um grupo grande. Interessou-se pelas minhas ideias, achou que valeria a pena jantarmos, falarmos.  Assim, 5.ª feira, depois dum almoço em que conversara sobre o mesmo livro, com uma pessoa bem mais jovem - por sinal numa linda praça de Lisboa, dirijo-me ao final do dia lá para Paços d'Arcos, "depois da Escola Naval", como me tinha dito Maria. Sou recebido pelo seu filho e conduzido ao terraço, sobranceiro ao rio. Média das idades: aproximadamente 70 anos, grupo de 12 p

Versejar

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Há muitos anos, um amigo meu dizia-me que conversar é colocar a língua em "versos" ("com-versar"), é "versejar". Sentado a uma mesa, salto de assunto em assunto, gosto da conversa solta, daquela que se faz ao ritmo rápido da evocação.  Por isso, entedia-me ouvir narrativas demoradas, uma espécie de imposição de autoridade, que nos obriga a estar ali, calados; conversar é como dançar, acontece a dois, um diálogo de olhares e de passos.   Quem se gosta de ouvir, gosta de aprovação. Eu gosto mais de conversar.  Esta semana disseram-me que eu sei ouvir. Fiquei feliz.  Escutar, mais que ouvir, é sinal de sabedoria. Eu gosto mais da palavra "escutar", que da palavra "ouvir". Há palavras que se deviam dizer mais, como a palavra contemplar. "CONTEMPLAR" é uma palavra bonita, tem em si a palavra "TEMPLO" e parece que a tem de uma forma que continua: "COM-TEMPL-AR...". Parece o exercício de continuar o templo. Na min

Pela manhã

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A brisa fresca entra pela janela e a manhã dá-nos os bons dias. Lá fora ouvem-se as andorinhas e, ao longe, rebarbadoras de máquinas nesta cidade que é céu, rio e pedras antigas. Um ou outro estore vai subindo, de tempos a tempos. Imagino praias algarvias, o mar calmo, o tractor que alisa a areia - a luz ainda ténue. Nestas tréguas, nestas névoas sibilinas e cristalinas, nada ainda nos é roubado - somos tudo. Tudo no tempo, no espaço aberto, passos ligeiros.  O dia há-de vir, o telefone tocar, mas por enquanto a vida é só dom! Enorme dom!   

Dr. Peripatético

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Nascera no seio de uma família pequena, mas rodeada de afecto. Poucos meios materiais, mas um ambiente cálido e também de grande humor. Desde pequeno que seu pai lhe chamara o "Dr. Peripatético": todos os dias, Frederico caminhava com a sua irmã para-e-da escola e iam/vinham os dois sempre à conversa, caminho fora. Estavam no Centro Social e Paroquial do Campo Grande, onde preponderava o grande humanista Pe. Victor Feytor Pinto. Viviam na rua  Afonso Lopes Vieira, não era longe. Muitos dias, Frederico esquecia-se de algo: livros, camisolas, etc.  Estranhamente, seu pai não era crente, mas rendera-se ao trabalho do Pe. Feytor Pinto e à sua dimensão humanista. Formara-se em filosofia, no primeiro curso de filosofia da Universidade de Évora, estudara os Humanistas da Escola de Direito Natural, Molina e outros.   A grande paixão da família era o ténis, que jogavam sempre que podiam, na casa da família da mãe, na Arrábida. Não iam à missa. Era esse o seu ritual religioso. No Verão

Nem só de alimento vive o Homem (português), Vermeer e a interioridade

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Em notícia publicada no CM diz-se: " Os portugueses gastaram, em média, 35,5 milhões de euros por dia a comer fora de casa, segundo dados revelados este mês pelo Eurostat e que são relativos a 2018.  O gabinete de estatísticas da UE contabiliza que, nesse ano, as famílias gastaram 12.956 milhões de euros para fazer refeições em restaurantes, cafés, cantinas e similares. O gasto coloca Portugal na nona posição a nível europeu.  Contudo, se for tido em conta o valor percentual dos gastos com refeições fora de casa no total das despesas mensais das famílias, Portugal sobe para o sexto lugar: os agregados consomem 9,2% do orçamento mensal para este fim. Portugal surge, assim, acima da média da União Europeia (7%) no peso que os serviços de restauração representam nas despesas de consumo". ( https://www.cmjornal.pt/economia/detalhe/portugueses-gastam-355-milhoes-por-dia-a-comer-fora-de-casa)  Num outro estudo , parece que os mesmos portugueses gastam cerca de 720 euros por mês em

Onde é a tua casa?

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Há muitos anos pensava que seria extraordinário se pudesse vir viver para Lisboa, e eis que aqui estou, vivendo mesmo no centro da cidade. A quantidade de horas que ganhei ao não ter que andar tipo pêndulo Sintra - Lisboa/Lisboa - Sintra, expressam-se em qualidade de vida incrementada, em possibilidade de gozo, de mais tempo livre. Em  capacidade de estar: quem vive fora de Lisboa e aí trabalha está sempre entre "entres". Um dia fiz as contas e ao todo já dei 3 voltas à terra em 20 anos de viagens diárias pendulares. Gosto de fazer o exercício de me colocar a imaginar cenários: eles são bons para podermos sair da realidade, nem que seja por um bocadinho.  Quando era pequeno, entre primos dizíamos: "que sorte temos em não viver tipo caixas de fósforos e vivermos no campo"; já houve tempos em que viver em Sintra era algo que me realizava. Mas hoje não me vejo em Sintra. Demasiado parado. Mas depois há também o seu clima - e, com a minha tendência por vezes para a mela

Na véspera da "Festa Nacional Francesa", homenagem a um grande homem

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«Um homem inteligente não se torna automaticamente um homem de acção. O instinto tem a mesma importância (...) Bergson mostrou que a acção provém da aplicação combinada da inteligência e do instinto/impulso, trabalhando juntos. Toda a minha vida, tive consciência da importância essencial desta aplicação (…) Os grandes homens têm ao mesmo tempo inteligência e impulso. O cérebro serve de freio ao impulso puramente emotivo. O cérebro domina o impulso; mas é preciso que haja impulso e capacidade de acção para que não fique paralisado pelo freio do cérebro. Há que ser um homem de carácter. O melhor processo para ter êxito na acção é sabermos perpetuamente dominar-nos a nós mesmos da melhor forma, é uma condição indispensável. Mas o autodomínio deve tornar-se uma espécie de hábito, de reflexo moral obtido por uma ginástica constante da vontade, em especial nas pequenas coisas: porte, conversação, conduta do pensamento, método aprimorado e aplicado em todas as coisas, em particular no t

"Lobo solitário", ou será antes "lobo dos mares"?!

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Há uma necessidade em mim de me reunir com/na escrita. É coisa de que que preciso, como se só depois de com ela marcar presença conseguir acalmar o meu agitado coração. Revelo-me nela em toda a minha verdade, em toda a autenticidade: é como um desfiar da linha dos dias - e a vida vai acontecendo, deixando um lastro, como navio em alto mar.  Temos sempre tendência para ir vendo esse lastro que ficou do trajecto feito; e podemos também angustiar-nos ao mirarmos para a frente e não conseguirmos vislumbrar a terra firme. Tudo é vasto e fica-nos um sentimento de desamparo: para onde vamos? Estaremos apenas a vagar no oceano, sem rumo?  A escrita é esse exercício de olhar para dentro do navio e nesse dentro nos cruzarmos com o marinheiro, para lhe emprestar uma voz para se dizer de si. Recentramos o olhar onde ele tem que estar.  Certamente que o lastro da sua vida se apaga como o rasto do seu navio - mas sem essa voz o marinheiro não existe.  Como diz Tolentino de Mendonça, na vida de cada