A semana na palma da mão

Estávamos sentados à mesa e o empregado trouxe o menu. Escolho uma vichyssoise para entrada e uma perna de cordeiro no forno com mel, tomilho e alecrim, acompanhado com puré de cenoura como prato principal. Vinho tinto "Duas Quintas", do Douro, criado pelos irmãos Ramos Pinto, mas agora duma empresa francesa.

A tarde estava fresca, da nossa mesa ouvia-se a fonte com o repuxo na esplanada do Grémio.

Estes almoços, pausas no rebuliço dos dias, eram momentos de prazer, sobretudo quando acompanhados de boa companhia, o que não era certamente o caso... infelizmente...

Sentira-me tentado a desmarcar o almoço, mas há muito que me vinha pedindo insistentemente e já não havia escapatória possível.

Era uma 6.ª feira, o dia de "restos e revisões". 

Ouvira dizer dum amigo que a partir dos 40 anos deixara de fazer "fretes"; mas no caso, sentira-me obrigado pela consciência, um imperativo ético, quase categórico! Achava a pessoa à minha frente um daqueles impossíveis "chatos de aturar", mas contando que se divorciara há pouco tempo e que estava muito em baixo, levara a que, sobretudo por caridade, não pudesse dizer que não. 

Fora desafiado a pormos a "conversa em dia", éramos afinal antigos colegas de escola e, depois de faculdade, ambos cursáramos direito. No entanto, Manuel tinha um conceito muito peculiar de conversa: adorava ouvir-se. Ora conversar é colocar as palavras em verso - para mim uma espécie de dança. O que o meu comparsa de almoço fazia era obrigar-me a ouvir monólogos extensíssimos, tipo lições e prédicas, em que eu apenas poderia acenar em assentimento. 

Uma boa conversa tem que ser como uma refeição. Há uma entrada, há um prato principal, o vinho é uma espécie de tónico que dá corpo e lubrifica a conversa, uma espécie de raiar do sol. A sobremesa é um golo certeiro na baliza que nos deixa um sentimento de "réussite", o café um convite a um aperto de mão enérgico e a uma promessa de retorno. 

Neste caso, o almoço serviu mais como distração, como uma música paralela à música que Manuel ia tocando, no seu "cavaquinho" irritante. Por isso, percebera que o local tinha que ser simpático, a comida boa, já que a companhia não seria certamente...

(Enquanto ouvia o desinteressante "cavaquinho", eu ia pensando em como era curioso em que para organizar a sua semana, bastava usar os seus dedos: 2.ª feira era o polegar que acaba por estar a uma altura na mão que atravessa todos os outros dias, o que significa que - como dedo transversal, pode gerir todos os outros. 3.ª, 4.ª e 5.ª são dedos grandes, são para dar o "litro", enquanto depois o de 6.ª, já é o mais pequeno deles, onde trata dos restos e revisões e prepara o fim-de-semana! Manuel ficara como "restos" e eu fazia revisões na minha cabeça. Afinal era 6.ª feira, dia de restos e revisões...)


  


 


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