Distrito de Portalegre

1. No final de Julho voltei pela primeira vez em muitos anos a Portalegre. Confesso que a primeira impressão que temos quando chegamos é o contraste com a beleza de tudo o que em volta nos encanta: a proliferação dos "pato bravo" estragou a terra, uma cidade alentejana que sucumbiu provavelmente a pretensas vontades de desenvolvimento, mas sem respeito pela identidade. É raro as cidades alentejanas terem cedido à pressão do imobiliário - quase todas as cidades alentejanas importantes foram avessas a essa voragem. 

Mas as nota deste distrito de Portalegre - e é disso que pretendo falar, são francamente positivas. Mesmo em Portalegre, as notas que se ouviram foram sublimes: as de Beethoven, mais concretamente as da 7.ª Sinfonia, ouvidas no Centro de Artes e Espectáculos da cidade capital de distrito e tocadas pela Orquestra Gulbenkian, ou as notas que se deram ao paladar no Restaurante "Sal e Alho, etc", com uns secretos de porco preto, acompanhados de bom vinho da região (Quinta de S. Sebastião, Lima Mayer, 2017).

Neste périplo por terras portuguesas, o interior do Alto Alentejo é uma muito agradável surpresa, a ponto de apaixonar um casal de músicos alemães, que desde há 9 anos tem dinamizado o Festival Internacional de Música do Marvão, onde assisti pela primeira vez a concertos - e do melhor nível artístico. 

É difícil encontrar-se na Europa lugares tão especiais como o Marvão e temos sempre o ensejo de comparar. Carcasonne em França, ou outros sítios que tal. Eu fico-me apenas com a vista cá de baixo para aquele grande e comprido promontório de pedra (à noite iluminado em toda a sua extensão), a remeter-nos para um lugar telúrico, onde a realidade se suspende para dar lugar ao espanto. Não estranha que se tenham feito "tomber d'amours" por esta vila imaculada de branco, no mais alto monte do sul, que domina a paisagem que toda a vista alcança.

E é um regalo percorrer aqueles lugares: vê-se juventude, vê-se vida. A Portagem, vila  aos pés do Marvão é dinâmica e feliz, tem espaços públicos de grande qualidade, certamente fruto de bons autarcas. Lá, ao final da noite, demos um pezinho de dança junto ao rio e a um parque com campos desportivos generosos no que de melhor há de contribuir para as gentes da terra em actividades, numa terra do interior do país. O povo foi receptivo e tem sorrisos resplandecentes, pois parece que gosta de viver por ali, naquela serra de S. Mamede, mais fresca que o resto do sul. 

Castelo de Vide (a Sintra do Alentejo, como gostam de dizer), é uma vila rica nas suas praças de cafés e nos seus buxos do jardim, a lembrar-nos as vilas do Minho. Vê-se estrangeiros e senhoras de bom aspecto. Percorremos as ruas e vamos metendo conversa com as pessoas, deleite para quem tem por gosto cruzar-se em diálogo e partilhas.

Andando por aquelas paragens, no caminho para o Marvão, ou seguindo em direcção a Castelo de Vide, não podemos também deixar de ficar impressionados com a qualidade do arvoredo, muito dele autóctone. Desde sobreiros e azinheiras centenários, a castanheiros e carvalhos, tudo numa serra fresquinha onde se ouvem regatos, por meio do ramalhar das árvores. Não é assim por acaso que muitos casais de 0estrangeiros têm trocado as suas Holandas e Alemanhas de origem para se instalarem por ali, restaurando velhas azenhas, como o Daniel e a sua companheira, casal simpático que nos acolheu no seu Turismo Rural.

Para chegar a estes lugares de Lisboa a viagem não é curta, temos que atravessar grandes extensões de terra, desde Estremoz, mas entre cidades e vilas podemos ir parando e, por etapas gastronómicas, fazemos da viagem um prazer por ir descobrindo o que se vai seguindo no cardápio. E assim, de Marvão a Castelo de Vide, ou fazendo-nos à estrada para Portalegre, sabemos que algo nos espera a não grande distância, em férias recatadas de confusões típicas do Litoral.

2. Voltados ao Alentejo nas chamadas "férias grandes" (Agosto), quisemos visitar Elvas e o seu conjunto fortificado (Forte da Graça e o Forte de Santa Luzia). São construções impressionantes e quando vistas do céu percebemos o quão interessante são pelo seu desenho geométrico, em fórmula de estrela. Percebemos ao visitar que aquela cidade está implantada numa zona em que a fronteira com a Espanha é meramente convencional, sendo justamente chamada a "Chave do Reino" por ter sido historicamente (aquando das campanhas do Condestável ou nas Guerras da Restauração) determinante na garantia da independência portuguesa e que era importante aí "fechar" a fechadura, pois quem por ali entrasse facilmente chegaria a Lisboa. Esse conjunto monumental é Património Mundial da Unesco. 

Leio em "Portugal, Sabor da Terra" (Mattoso et alia), que o Nordeste Alentejano foi no passado uma terra de grande actividade económica, o que explica a quantidade de cidades e vilas. Desde produção de cereais, a indústria têxtil, a zona raiana era pujante. Ensaia-se a sua decadência nesse livro, como tendo sido fruto do desenvolvimento industrial inglês, mas também da instabilidade transfronteiriça, isto é as muitas guerras (como a da Restauração), que deixaram os campos por cultivar.  



 

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