Viktor Frankl e um aviso à vigilância e assim, e assim...


Num ensaio que li há tempos chamado "O Homem à Busca dum Sentido", mas a que voltei hoje,  Viktor Frankl toca num ponto que me deixou a pensar ao longo do dia: nas situações mais complexas, há certos seres humanos que são ainda assim capazes de gestos surpreendentes. 

Diz ele: "A forma como um homem aceita o seu destino e todo o sofrimento que ele acarreta, a forma como carrega a sua cruz, concede-lhe bastas oportunidades - mesmo nas circunstâncias mais difíceis - para dar um sentido mais profundo à sua vida. Pode manter-se corajoso, digno e altruísta. Ou, durante a luta tenaz pela autopreservação, pode esquecer a sua dignidade humana e tornar-se pouco mais que um animal. Tem aí uma ocasião para aproveitar ou desperdiçar as oportunidades de alcançar os valores morais que uma situação difícil pode conceder-lhe. E aí se decide se é, ou não, digno dos seus sofrimentos (...) Entre os prisioneiros, só uma minoria manteve por inteiro a liberdade interior e alcançou os valores propiciados pelo seu sofrimento, mas um só exemplo desses é prova suficiente que a força interior dos seres humanos pode erguê-los acima do seu destino exterior. Tais homens não se encontram somente nos campos de concentração. Por todo o lado os homens são confrontados com o destino, tendo a oportunidade de alcançar alguma coisa por meio do seu sofrimento" (pág. 77 e 78).

Esta semana passei por uma frase de Deleuze que diz algo semelhante: "a ética é estarmos à altura das circunstâncias".

Na nossa vida, de facto, podemos sempre decidir, embora a maior parte dos homens opte por seguir basicamente o instinto de salvar a sua pele, ou simplesmente a toada da turba. É curioso o facto de as pessoas perderem a inocência da infância, altura em que não tinham quaisquer "peias" em dizer que "o Rei vai nu": à medida que vamos ficando velhos, há uma tendência para nos acomodarmos, para fazermos concessões. Deixamos de acreditar que ainda há uma diferença a fazer, uma palavra que importa dizer, ou um gesto que pode fazer a diferença. 

De facto, na vida, temos de andar de olhos bem abertos. Há tanto que se deixa passar por pura omissão, por andarmos distraídos, por desatenção. 

A capacidade de pensar, de situar as coisas nos seus lugares próprios, pede-nos um arejamento de espírito que nem sempre temos, dado o estado de cansaço em que tantas vezes nos encontramos. 

Por vezes, não reagimos porque o mundo nos tornou apáticos. 

Sim, estamos demasiadas vezes apáticos, mudos, ensimesmados, fechados sobre nós mesmos: o nosso mundo e os nossos problemas. Recebemos o mundo e já nada nos surpreende. Não somos capazes de perceber que não é tudo igual, que há ainda que lutar. Não, não é tudo igual! A vida e os caminhos da vida não são indiferentes.

Há algo que achei interessante em Viktor Frankl que é questão do projecto: ele refere que um grande factor de esperança é o conseguir-nos colocar no futuro e perspectivar o que aí vem. Isso cria um propósito, uma ideia de algo porque lutar, porque trabalhar. Hoje é dia de Portugal. Há uns anos João Miguel Tavares dizia na cerimónia do 10 de Junho justamente: deem-nos algo em que acreditar. Se calhar há tantas pessoas deprimidas em Portugal porque não conseguem adivinhar um futuro que as realize... e assim tornam-se apáticas, e assim tornam-se conformadas, e assim tornam-se distraídas, desatentas, e assim fazem concessões, e assim não passam da mediocridade... E assim, e assim... 



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