Pau, porte des Pyrénées, lugar de especulações geneológicas

Conta-nos Veva de Lima que o tenente Mayer, deixou  sua mulher Maria Polinska - polaca, e sua filha em Pau e partiu para "Bayonne esperar por um corpo do Exército da Gironde para se alistar" (estaríamos cerca de 1806). "Armand Charles Antoine tinha então trinta e três anos e devorava-o uma nostalgia ardente: voltar à embiaguez das batalhas, ao triunfo das armas imperiais, que havia servido sempre no fragor das vitórias e colaboração na grande epopeia".

Cinco anos se passaram, entre Espanha e Portugal, até que regressa a Pau. Continua Veva de Lima: "Quando chegou a Pau já não encontrou Maria Polinska... a infeliz abandonada morrera de consumição um ano antes. Sua filha casara com 14 anos com um antigo Fermier Général que, mais velho trinta anos do que ela, rico e afastado do seu cargo desde a tomada da Bastilha, ocupava-se agora de agricultura em Billières, perto de Pau, onde tinha a sua residência com grande comitiva. Foi em casa de sua filha que o formoso galanteador de afamados salões femininos se aposentou, desiludido da arte de guerrear e de amar também..."

"... Em Pau, na grande alameda que se transformou mais tarde no «Boulevard des Pyrénées», Mayerlot curvado, com uma elegância já fora de moda, mas onde se sentiam retoques excepcionais de distinção, passeava todas as tardes apoiado ao seu bastão de marfim com castão de oiro, bailando-lhe sobre a mão a renda d'Alençon que lhe saía dos punhos. E a sobrecasaca côr de pulga que envergava à hora de movimento, quando as janotas pirenaicas se mostravam em passeio, conferia ao capitão napoleónico (havia sido feito capitão), coxo e sem um pelo no crânio, aquela sedução que lhe merecia uma mirada ou um sorriso das elegantes a quem, incuravelmente, dirigia madrigais."

Veva de Lima, sem procurar um registo hagiográfico do capitão Mayer, conta-nos depois a odisseia de seu filho Simoine Antoine, deixado aos cuidados dum pastor luterano em Nancy, Lorena. Mas voltemos atrás para contar como tudo isso se passou, depois de Armand Charles Antoine ter participado nas campanhas napoleónicas em Itália: "no regresso das batalhas, tendo-se batido em Castiglione e em Rivoli, ele era acolhido com júbilo pela sedutora Thérésia que o recebia no seu aposento íntimo, onde também aparecia com frequência vestida, como a dona da casa, em trajes de estatuária grega, a linda crioula Josefina de Beauharnais, futura imperatriz dos franceses. Essa convivência durou ainda algum tempo até que a sua formosa amiga divorciava para casar com o Príncipe de Chimay, enquanto, por seu lado, o feliz Mayerlot, alistado, num entusiasmo efémero, nos exércitos expedicionários que iam partir para o Egipto, fazia uma digressão até à Lorena, enamorava-se em Nancy duma menina polaca, Mademoiselle Polinsky, com quem casava, e, por causa do matrimónio, desistia de tomar parte na famosa expedição para as Pirâmides. Demorou-se em Nancy só apenas o tempo de se aborrecer outra vez naquele ambiente que se lhe oferecia cheio de monotonias. Todavia, aí nasceu seu primeiro filho, Simon Antoine, em 1799. Em 1800, sua mulher dava-lhe mais uma filha: Marie Françoise Constance. A esposa do bélico loreno, senhora de saúde fragilíssima, enfraqueceu-se de maneira a exigir mudança de clima. Aproveitando esta necessidade de deslocação, Armand Charles resolveu desmanchar casa, e - enquanto deixava seu filho Simon Antoine confiado aos cuidados do seu padrinho, pastor dum presbitério dos arredores da cidade, encarregado de o educar, de lhe ensinar a Bíblia e as boas práticas - conduzia a débil esposa com sua filha para o sul de França, e foi fixar-se em Oloron, perto de Pau. Uma terceira criança desse matrimónio veio ao mundo em Pau, uma filha que morria com pouca idade."

Ora estávamos em Simon Antoine, retomemos: "o discípulo consciencioso do pastor luterano, educado na atmosfera rígida do presbitério, onde todas as tarde, depois de meditar sobre as lições da Bíblia, cantava salmos, acompanhando o mestre, atingia os seus vinte e cinco anos. A França estava aparentemente calma com o regresso dos Bourbons. O velho pastor morria e a sua viúva ficava com um pobre pecúlio diminuído pelas liberalidades filantrópicas do bondoso marido. Simon Antoine, diante destas circunstâncias, resolveu, apesar dos rancores legítimos de filho abandonado, ir em busca daquela família desumana que o tinha esquecido. Atravessou a França em direcção ao sul... teve de fazer verdadeiras investigações para descobrir a morada dos únicos parentes que lhe restavam... Quando chegou a Pau, antes de inquirir sobre o paradeiro da família, dirigiu-se ao cemitério a procurar a sepultura com tez de açucena e olhos transparentes que o embalara na infância... depois de buscas pacientes, encontrou num declive... cobertas de sarmentos e de espinhos, duas cruzes, lado a lado, com as inscrições: «Marie Mayer, née Polinska, décédée pieusement à l'âge de 25 ans, le 22 Novembre 1808» - «Christine Mayer, née le 18 Août, 1802. Décédée le 20 Septembre 1808». Depois dá-se o reencontro com o pai, que o recebe, com algum mal-estar e lhe fala dos bens deixados em Portugal.

São imensas as divergências deste livro "O Único Vencido da Vida, que também o foi da Morte" de Veva de Lima e o livro de família do Tio Filipe de Lima Mayer.

Primeiro de tudo teria casado com Jeannette Salomon, mais tarde referida como Jeannette Solingen e não com Maria Polinska. Há efectivamente uma certidão de baptismo quando se converte ao catolicismo, já em Portugal - e que o comprova no livro do Tio Filipe. A própria certidão de nascimento corrobora essa informação.

Outro facto divergente é como se terá dado o conhecimento com a família Lima e que terá por origem uma grande quantidade de bens que capitão Mayer terá deixado em Lisboa, Veva diz-nos que "o Capitão Mayer, com as suas viaturas requisitadas em Cadiz, encontrava-se inesperadamente na capital do Reino sem funções, mas a braços com um depósito enorme de preciosidades em seu poder, algumas legadas pelos fugitivos, outras de sua posse, trazidas de Espanha, onde adquirira uma colecção valiosa de quadros por baixo preço... Procurou demoradamente esconderijos e abrigos onde ocultar as peças raras que lhe tiravam o sono e que constituíam, já nessa altura, a sua melhor fortuna. Até que uma virtuosa senhora portuguesa, cuja família em viagem por Espanha ele protegera contra as violências soldadescas das suas tropas, numa certa altura da invasão, e que lhe ficara grata, ofereceu-lhe ficar depositária dos seus valores artísticos, enquanto ele se ausentasse. Chamava-se essa família Abreu de Lima..." 

O Tio Filipe apresenta uma versão totalmente diferente que tem que ver com relações comerciais com José Manuel de Lima em virtude da ocupação francesa: "Quando as tropas de Junot ocuparam Lisboa, em 1807, o Comissário da Marinha, Magendie, que vinha entre os funcionários já destinados para a administração de Portugal, instalou-se em casa de José Manuel de Lima.. que para o efeito tinha sido requisitada. O seu proprietário, do mesmo modo que um certo número de negociantes, foi obrigado a aceitar o contrato, que lhe impunham as autoridades de ocupação, de fornecer, em munições de boa e géneros diversos, o arsenal de Marinha."

Outro facto divergente terá que ver com a vinda de Simon Antoine para Portugal acompanhado com seu pai ou só. Veva de Lima diz-nos que ele terá vindo só e para recuperar o património, tendo depois ficado porque encontra Clementina de Lima... O Tio Filipe diz-nos que vieram ambos e diz-nos "não se sabe exactamente onde, nem como, o militar francês empregou a sua actividade de 1808 a 1814, ano em que fixou residência em Lisboa, na companhia do filho António, de quinze anos de idade, vindos de França pelo porto de Bayone. Logo no ano seguinte, partiu para Bordéus, regressando a Portugal em 1819, como consta do registo dos estrangeiros... Antoine Simon Mayer foi, em 1819, o fornecedor da iluminação do Teatro de São Carlos... em 31 de Outubro de 1838 inscreveu-se como comerciante no Consulado-Geral de França, juntamente com seu filho, este mediante a apresentação de um passaporte que lhe fora passado em Paris, a 23 de Outubro de 1814, e aquele afiançado por Louis Sauvinet e por Hyacinthe Louis Marc Garin... Tendo voltado definitivamente a França, morreu em Montpellier a 26.02.1946."

Grandes contradições parecem só ser resolúveis com provas documentais e parece-me que o o livro do Tio Filipe é muito mais credível, apresentando uma relação documental séria para as afirmações que faz. Com base no cruzamento desta informação, segundo as contas que faço, se apostarmos na tese de Clementina de Lima, Simon Antoine terá vindo só e com apenas 25 anos a Portugal, quando o Tio Filipe apresenta um documento em sentido contrário do Maire de Givet que pede informações à embaixada de França em Portugal. e que diz que "Sieur Antoine Simon Mayer... fournisseur à l´armée française en Espagne, et demeurant à Lisbonne depuis environ 4 ans avec son fils âgé d'environ quinze ans".
Voilá!

É quase meio-dia, tenho que sair do quarto. Chove em Pau!

Tenha ou não Antoine Simom Mayer, como lhe chama o Tio Filipe ou Armand Charles Antoine, como lhe chama Veva de Lima, sido um pai negligente para com o seu filho, tendo ou não se passeado pelas Boulevard des Pyrénnées, sei, de fonte segura que o meu querido Avô Augusto andou por aqui, passeou de bicicleta por aqui, frequentou o liceu daqui e andou, com a minha Avó Mi também pela Boulevard des Pyrénées, e é a evocação desses tempos que me traz a Pau, houvesse ou não antecedentes anteriores. Frederico de Lima Mayer viveu aqui com a sua família.

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