Complexidade crescente

Há uns anos li uma magnífica biografia sobre Antoine de Saint-Exupéry, que era uma personalidade ela própria rica e complexa. 

Pelo que me lembro, as suas relações eram algo atribuladas, era uma pessoa de carácter difícil, um artista que, como muitos, tinha algo de "antropofágico": uma insaciabilidade que, não raro, pode devorar as vidas à volta, tal como vampiro que se alimenta do sangue de quem apanha pelo seu caminho, por vezes de quem está mais próximo...

Antoine de Saint-Exupéry gostava de compreender a personalidade das pessoas através da análise da sua caligrafia, o que é de alguma maneira invulgar. Mas, do que me recordo sobretudo de guardar é que ele dizia que, associado à verdadeira dimensão das pessoas, está serem pessoas complexas. Dizia ele, que as pessoas maiores eram também sempre pessoas complexas, de leitura difícil.

Gosto da imagem da borboleta ou da rã para ilustrar este mesmo ponto. A metamorfose que estes animais sofrem é sempre no sentido de se tornarem organismos mais complexos. Uma borboleta nasce lagarta, assim como uma rã nasce girino. Ora a lagarta é apenas rastejante e o girino um animal imerso em água, um animal marinho. Quando uma lagarta se transforma em borboleta ganha asas - voa: já acrescentou uma dimensão à sua vida; por sua vez, quando um girino se transforma em rã torna-se também um animal de terra, não apenas de água: é um "anfíbio", o seu ambiente é já tanto água como terra.

A transformação não é tornar-se em algo diferente: é sobretudo em tornar-se algo mais, tornar-se mais complexo. A rã não é feita em oposição ao girino, é sim um estádio superior, pois não deixa de ter em si o elemento água. Passa é a ter também o elemento terra.

Na psicologia temos Piaget e a sua teoria da assimilação/acomodação - algo que compreende uma espécie de "subida de escadas", em que primeiro avança um pé e depois outro, i.e, o avanço dá sempre um desiquilíbrio, que precisa de ser consolidado pelos dois passos. Mas não nos iludamos que não é um processo meramente cumulativo, é sim um crescimento em complexidade. 

E temos também Erikson, que fala em estádios de desenvolvimento psico-social, algo muito interessante e que se passa até ao final da vida e que tem que ver com a superação de desafios fundamentais em cada etapa (veja-se https://aldeiadospequeninos.blogs.sapo.pt/4981.html). Em cada estádio, jogam-se questões fundamentais como confiança vs. desconfiança, generatividade vs. estagnação, etc.

Por vezes temos tendência para achar que a vida é uma espécie de caminho de acumulação, rectilíneo. Não é. Trazemos connosco muitas peles, é como estarmos sempre a acrescentar "bonecas russas" à nossa vida. 

Por isso nunca podemos achar que se é rã por oposição ao girino. 

Para exemplificar pensemos em tudo o que Canaletto precisou de desenvolver para chegar à complexidade de quadros como as cenas do Grande Canal de Veneza. Quantos milhares de desenhos e experiências frustradas e caminhos onde teve que voltar para trás para chegar aqui?!

 





 


 

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