Janelas para fechar

Poucas vezes faço o exercício de me sentir amado por Deus, vendo-me como criatura posta no jardim para gozo pleno da vida. 

Acordo frequentemente com a sensação de que falta algo, o sentimento de que o trabalho é muito e o tempo  escasso - que fico sempre muito aquém do que pretendia fazer. 

Um mero exemplo: trouxe para férias cerca de 7 livros e foram já vários os que abri e comecei a ler, mas que não me prenderam a atenção: vou assim deixando livros abertos, tal como janelas no meu computador, até me aperceber que, a "páginas tantas", tenho cerca de 10 diferentes janelas abertas (10 livros abertos...) Com isto, pode dar-se o caso de não conseguir levar nada para diante. 

Depois, quanto ao tempo, também acabo por ir ficando com uma sensação de que, mesmo em férias, o tempo é escasso - o que é muito estranho porque pensávamos que em férias teríamos tempo para tudo. Ora, não é bem assim: em férias continuamos a ter que fazer escolhas e a gerir a nossa agenda.

O problema não é ir abrindo muitas janelas no "computador". A questão é que ao começar cada dia, devemos sim tentar arrumar a tralha, pois não podemos viver simultaneamente com muitas coisas por resolver: devemos ter a paciência (senão a humildade) de arrumar os livros que vamos deixando abertos na prateleira, pois não é possível manter várias batalhas abertas - e chegar a avançar, como não é possível a nossa cabeça ler 4 ou 5 livros em simultâneo. Devemos aprender a agradecer a visita deste ou daquele autor e pedir-lhe que volte um outro dia.

Não devemos ficar frustrados pelo que não conseguimos fazer. Temos que ser pacientes e pedir apenas o "pão de cada dia". 

Cada dia novo que começa é também um livro novo que se abre, para que contemos a nossa história e devemos fazer as coisas atentos e com o máximo de entusiasmo possível. Deveríamos sempre levar aquilo que estamos a fazer como o que é mais importante do mundo. 

Esta semana fiquei maravilhado com um trabalho que o meu irmão Vasco fez. Uma casa para uma família, concebida ao mais pequeno detalhe. Um arquitecto poderia ficar pela ideia geral, pela imagem global, mas o trabalho dum bom arquitecto é ir até ao mais ínfimo pormenor: como abrem as gavetas, como se concatena a parede com a porta nas suas diferentes posições, etc, etc. Um projecto destes exige uma pormenorização muito grande. Há que ultrapassar muitos obstáculos.

Manter a motivação, a paixão pelas coisas, exige uma certa persistência e disciplina. Hoje vou arrumar alguma tralha e vou talvez voltar a Agustina Bessa-Luís ou a Philip Roth. Vou arrumar o "Processo" de Franz Kafka e a "Morte de Jesus" de J.M Coetzee. 

Li já dois contos de Agustina e gostei muito. Philip Roth escreveu o "Escritor Fantasma" que eu li há pouco tempo e gostei também muito. 

Hoje acordei cedo, o dia ainda está fechado - mas aqui por Sintra costuma abrir pela parte da tarde. Assim, tal como o tempo poderia revisitar tudo o que abri e fechar... até que a tarde se abra. Sem mágoas! 



 


  

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