Liderança


Uma das coisas mais raras são bons líderes, pois eles aliam uma série de características e qualidades que não se encontram habitualmente reunidas numa mesma pessoa. Uma delas é a visão e a coragem, o que na verdade torna muitos daqueles a quem chamamos "líderes" muito mais gestores - por falta desses dois atributos.
A importante responsabilidade do líder é, tal qual maestro, ter a percepção do todo, saber colocar cada um na melhor posição possível para si próprio e para esse todo, de forma a levar a que se tente "tocar" algo harmonioso, uma espécie de maestro. Para isso é preciso ter um bom conhecimento da natureza humana e dos diferentes tipos de personalidade, mas também o conseguir o respeito dos demais para que cada um toque a parte que lhe compete na "orquestra". 
Sabemos que os líderes são pessoas que marcam, que deixam um rasto, porque, enquanto seres sociais, gostamos de pertencer sempre a algo maior do que nós: a um partido político que mobiliza o nosso entusiasmo por uma cidade ou um país melhor, a uma empresa, que tem o propósito de servir bem os seus clientes, a uma escola que se destaca pela qualidade do seu ensino e pelo efeito que tem no desenvolvimento das suas crianças. Tudo são "endeavours" colectivos, não se fazem através duma pessoa só e têm que ver com a criação de uma cultura própria, que conta com o esforço conjugado de muitas. O líder é quem consegue criar esse "cimento" que solidifica o todo, essa argamassa que associa uns e outros para um projecto colectivo, sempre maior do que cada um em particular e é sempre alguém que se encontra legitimado de alguma forma. Diz-se por exemplo que numa orquestra o maestro seria aquele que sabe tocar vários instrumentos. É certamente quem percebe qual o tom que cada instrumento deve ter (ou que identifica pelo menos o tom que não deve ter). Que age oportuna e eficazmente, não temendo emendar e dizer como deve ser feito. Não deixa para amanhã o que deve ser feito hoje, mas emenda e corrige, tendo porém o cuidado de reintegrar, não humilhando. Por isso é também alguém que deve ter tacto e sensibilidade.  
Tenho conhecido na minha vida alguns bons líderes. O meu pai fala-me de Jorge Jardim Gonçalves por exemplo, que conseguiu criar no BCP uma cultura de qualidade e profissionalismo. Parte do seu trabalho era o de tentar arranjar bons profissionais que pudessem contribuir para reforçar essa cultura de desempenho. As pessoas falam dele como alguém que sabia valorizar o outro.
Admiro pessoas que conseguem mobilizar os outros para projectos ambiciosos. O recentemente desaparecido Pe. António Vaz Pinto teve e lançou ao longo da sua vida uma série de desafios. Desde o Banco Alimentar contra a Fome, ao CUPAV, passando por Alto Comissariado para os Refugiados. No outro dia ouvia Rui Marques falar na grande capacidade que tinha de mobilizar outros como ele para este tipo de projectos. Era interessante que muitas vezes não havia um plano ainda, havia sobretudo a vontade de fazer algo, que nascia por exemplo duma necessidade. Dizia ele, por exemplo, que ao nível do Alto Comissariado para os Refugiados fez-se uma coisa muitíssimo inovadora que foi o primeiro centro integrado de apoio aos refugiados no mundo: um balcão único onde um refugiado poderia sair com toda a documentação. Foi um risco, até porque o Ministro da Administração Interna da época poderia, como todo o político, recear que pudesse via a ser um logro, até porque não fora experimentado em nenhum lugar. Ora, é essa justamente a coragem do líder: tem a ousadia de achar que se pode fazer o que ninguém (ainda) acredita que seja possível fazer-se. Aqui, uma pessoa muito analítica poderia achar que não há dinheiro, ou que não há pessoas suficientes para o trabalho, mas entra aqui a vontade e o trabalho que fazem com que as dificuldades sejam vencidas. Dizia Charles de Gaulle que além da inteligência, entra o instinto (que acaba por ser a coragem). Ora é a visão e a coragem que faz grandes líderes. Bobby Kennedy dizia: "alguns vêm algo que existe e perguntam porquê?; eu vejo coisas que não existem e pergunto porque não?". 

P.S. - Ultimamente tenho pensado com o Nuno Cunha Rolo na importância da liderança na Administração Pública e tenho reflectido sobre o que poderia tentar fazer nesta área, pois acho que seria interessante e importante fazer algo. Ele falou-me num podcast, eu falei-lhe em filmar entrevistas seguindo o modelo de "aprendemos juntos" do BBVA Espanha. Há pessoas que trabalham e inovam de forma muito empenhada na função pública: pode ser um presidente de CM; pode ser um administrador de uma qualquer empresa de capitais públicos, ou mesmo um director dum serviço.  


  

 

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