Sentir-se em casa

No mundo dos sentimentos a riqueza é muita, tanto que podemos identificar um que se refere ao "sentir-se em casa". É-me algo muito caro, identifico-o desde a minha primeira infância quando no Brasil comecei a tatear a vida e a fascinar-me com a "Casa Bola" (literalmente uma casa em formato esférico que ainda existe em S. Paulo), ou a rir-me com a alegre cantiga de Vinicius, a "Casa": "Era uma casa muito engraçada, não tinha tecto não tinha nada... ninguém podia fazer xi-xi. porque pinico não tinha lá... Mas era feita com muito esmero na Rua dos Bobos n.º 0". 

O sítio que chamamos casa recebe-nos como amigos e dá-nos o conforto quando precisamos. 

Lembro-me, quando era novo, voltar a casa depois dumas férias e sentir que tinha regressado ao chão que conhecia. É bom viajar, mas é bom também voltar. Somos assim, feitos de idas e regressos, neste diálogo sempre reiniciado. Ulisses pelas estradas, que nos trazem certo dia de volta. 

A casa remete-nos para o "nosso" espaço. O espaço de pertença onde temos as nossas coisas, as nossas memórias, aquilo de que gostamos. Devemos cuidar dela e das pessoas que aí habitam, criando laços de confiança. 

Gosto muito de ler Krishnamurti. Reproduzo um diálogo dele com os alunos de Brokwood Park:

K - Sabem o que a palavra indivíduo significa? - indivisível. Indivíduo significa alguém que em si mesmo não está dividido. Mas estamos divididos, fragmentados, não somos indivíduos. Somos pequenos fragmentos, partidos, divididos. Vejam: onde é que vocês se sentem completamente seguros, protegidos? 

I - Será quando temos confiança nos outros?

K - Sim. E também em nossa casa, não é verdade? Supõe-se que «a nossa casa» é esse lugar onde se pode confiar, onde se está protegido (...) Será que se sentem aqui em segurança?

I - Eu sinto-me.

K - Sentes? Isso é bom. Mas todos vocês se sentem assim? Reparem no que quer dizer sentirem-se «em casa», o lugar onde vocês estão completamente seguros. O cérebro precisa de segurança; de outro modo não pode funcionar com eficiência e lucidez. Quando as células do cérebro sentem insegurança, a pessoa torna-se neurótica, perde o equilíbrio. Mas, neste lugar, vocês estão em casa, em inteira segurança. 

(texto adaptado de "Aprender a Viver", Krishnamurti, Vida Editores).

 

"A casita clara", Amadeo de Sousa Cardoso, 1915

Comentários

Para mim, Lar é o local onde nos sentimos protegidos, acolhidos
onde nada de mal pode acontecer, onde podemos ser e crescer sendo nós mesmos

Não interessa o material ou formato
o que importa é a sensação boa causada
tal qual o abrigo da barriga da nossa mãe...

É como diz uma das músicas da minha infância...
(infância esta também muito marcada pela 'Casa Bola')

"Estou de volta pro meu aconchego
Trazendo na mala bastante saudade
Querendo um sorriso sincero, um abraço"

(...)

Para mim, 'sentir-se em casa' é estar no lugar onde nos sentimos bem, onde estamos bem, num 'bem estar'.

Renata

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